sexta-feira, 29 de julho de 2011

OSSO DURO

POR CRISTIANE GOMES
FOTOS SUE COUTO




A carne mais barata do mercado é a carne negra/
que fez e faz história segurando esse país no braço/

Cheia de razão, a letra da música A Carne, de Marcelo Yuka, Seu Jorge e Wilson Capellette (trecho a cima), famosa na voz de Elza Soares (álbum do Coccix ao Pescoço/ 2002), engrossa o coro da importância que os descendentes de africanos tiveram - e tem - na formação e construção da identidade cultural brasileira, ainda que esse fato não seja valorizado como deveria.

Indigesto ao paladar de uma minoria retrógada, a carne negra é, se bem pensarmos, o filet mignon do caldeirão multicultural que é a produção artística nacional moderna, mas em alguns casos engasga e pode até queimar. “Sou carne dura, e dou conta de fazer o meu, segurar minha onda”, dispara a cantora, compositora, instrumentista e atriz Ellen Oléria, de 28 anos. Carne de primeira. Osso duro de roer!

“As pessoas me veem apenas como uma cor. Eu sou isso, mas também outras coisas. A nossa geração tá vivendo outra realidade racial no país. Não dá pra gente ficar fingindo que nada aconteceu, porque muito sangue foi derramado pra que hoje eu pudesse cantar o que eu canto, ocupar os espaços onde estou, ter a minha grana”.

Nascida e criada no Chaparral, região entre Taguatinga e Ceilândia, cidades satélites de Brasília, Ellen, dona de uma voz potente e de um carisma acima de qualquer suspeita (características que podem ser facilmente identificadas em suas performances ao vivo), faz uma bem sucedida mistura de diferentes nuances da música negra, indo do samba ao rap, passando pelo jazz, afoxés e soul.

No último mês de abril, em rápida turnê por São Paulo, ela lotou a choperia do SESC Pompéia. O público, vidrado com a figura e a voz daquela mulher de presença forte e sorriso largo, cantou em coro as músicas da artista. Ellen, definitivamente, é o tipo de cantora que muito mais do que ser ouvida, precisa ser vista. Sentir a intensa vibração que acontece em suas apresentações é algo fundamental para quem deseja de fato, conhecê-la.



“Vi e comprovei que é um grande talento. Ela faz MPB com rap.

Ela canta, toca e rima. É completa. E isso é da hora”.

Edi Rock



* Ellen acredita que “autonomia é depender de um número cada vez maior de pessoas”. Dessa forma encontrou parceiros e criou uma forte rede de distribuição e circulação de sua música. Nessa rede, estão nomes como Emicida e Gog (que Ellen considera seu padrinho dentro do rap).


A desenvoltura com que canta, toca e interage em seus shows vem de berço. “Quando criança, meu pai atacava na sanfona e eu e meus irmãos brincávamos de fazer ganzá com arroz, batendo nas tampas nas panelas”, lembra. Apesar da forte influência paterna, a música não foi a sua primeira opção profissional na vida. A instabilidade de viver da arte no Brasil era algo que a assombrava. Até concurso para policial pensou em fazer.


“Eu tenho uma noção de continuidade da cena. Acredito que falarei ainda por muitas vozes e a Ellen falará por mais tempo que eu. Muitas bases que me sustentam eu tento passar pra ela que, apesar da pouca idade, tem uma vivência e uma sensibilidade que ultrapassam a música”.

Gog


Mas o amor pela arte falou mais alto. A entrada definitiva no mundo da música aconteceu, porém, por outra via. Durante o curso de Artes Cênicas na Universidade de Brasília, entre os anos de 2003 e 2007, Ellen foi convidada a substituir um ator em um grupo teatral universitário chamado A Companhia dos Sonhos, que rodou o norte e o nordeste do Brasil, em 2004. Nesse período, entre uma apresentação e outra, para relaxar, os membros do grupo costumavam ir aos bares da região onde estavam se apresentando, e não raramente havia uma banda tocando. Era nesses lugares que Ellen dava suas palhinhas. “Rolaram coisas muito cabulosas nessas canjas. Comecei a sentir que algo tava acontecendo e de fato entendi que eu gostava muito de fazer aquilo porque eu me conectava com a minha arte de uma forma muito direta. Voltei pra Brasília decidida a cantar. Comecei então a procurar uma banda”.

E ela a encontrou ainda na universidade: a banda Pret.utu. “Essa galera é meu chão. Principalmente quando falo de origens, de como comecei. È por causa da Paulinha (Paula Zimbres, contrabaixista da Pret.utu) que toco minhas próprias músicas. Essa banda me deu mais experiência e segurança. Sou muito sortuda, porque as cantoras ficam a vida procurando bandas e eu tenho duas”. A outra banda no caso é o grupo Soatá do Pará, que mistura carimbó, funk e rock. O resultado desta miscelânea musical poderá ser ouvido no segundo trabalho de Ellen (o primeiro, intitulado Peça, foi lançado em 2009), previsto para sair ainda este ano. Um prato cheio, com carne de primeira. Um banquete afrobrasileiro as margens do Lago Paranoá.


* Mesmo atuando no circuito independente (a margem das grandes gravadoras e canais de TV), Ellen já abocanhou prêmios importantes dentro da música brasileira, como o Festival de Música dos Correios (2004/ 2006) e o Prêmio Sesc de Música (2005).



DISCOGRAFIA
Peça (2009)



+
www.ellenoleria.com

quinta-feira, 28 de julho de 2011

BOA MESA COLOCA O HARLEM NA MODA

Por GUY TREBAY
Para THE NEW YORK TIMES



Numa noite qualquer de sexta-feira, a clientela do Red Rooster engloba não só elementos do “magnífico mosaico” de Nova York, como também David Dinkins, o ex-prefeito que cunhou a expressão. Nos 76 assentos do restaurante, nos 24 lugares das mesas comunitárias perto do bar, nos 20 lugares do bar propriamente dito e nos 40 assentos do café na calçada, banqueiros do bairro esbarram em Bill Clinton.

A escritora Nora Ephron pode estar sentada ao lado de Thelma Golden, diretora do Studio Museum; e a cantora Alicia Keys pode ser vista num canto, tendo à esquerda uma mesa com Ralph e Ricky Lauren, e à direita senhoras de uma igreja local.



Isso, de certa forma, é experiência típica do Red Rooster, a porta para o Harlem aberta no final do ano passado pelo chef celebridade Marcus Samuelsson.

Esse lugar na avenida Lenox se tornou quase instantaneamente um destino não só para quem procura cozinha afro-americana com sotaque sueco. Barack Obama escolheu o Red Rooster como local de um jantar de arrecadação do Comitê Nacional Democrata, em março, com convites a US$ 30,8 mil por pessoa.


Bairro periférico vive onda de renascimento

Faz tempo que os entusiastas do Harlem alardeiam que o bairro vai virar moda. “Estamos agora realmente vendo o renascimento que havia sido imaginado”, disse Myiesha Phelps, executiva do banco J.P. Morgan e moradora do Harlem.

Ela esperava na porta do Red Rooster com uma reserva que, segundo ela, demorou meses para ser conseguida.

Vários bares, galerias e lojas sofisticados também foram abertos recentemente no bairro.



No Red Rooster “você não encontra gente comum”, disse Adrian Surgeon, recepcionista do restaurante. “Você encontra um espelho do que o Harlem oferece como um todo”.

O mesmo espetáculo pode ser apreciado por clientes de lugares próximos, como o Chez Lucienne, o Sylvias´s, o Lenox Lounge e, a partir de setembro, o Pink Tea Cup, restaurante do West Village que vai abrir uma filial na avenida Lenox.

Todo fim de semana, Gerald Tucker lustra os sapatos, penteia o bigode, veste um terno Ralph Lauren, põe uma das suas 14 gravatas borboletas e sai de casa, no Lower East Side, para ir ao Red Rooster.

Com uma taça de vinho tinto na mão, ele deu uma olhada no bar e declarou que a experiência do Red Rooster é um sucesso. “Claro que tudo parece bom quando é novo, e acreditem em mim, aos 80 anos eu já vi muitas coisas se desenvolverem e acontecerem no Harlem”, disse.

Ele conhece o bairro desde os seus dias de glória, quando o Red Rooster original, nos arredores do Strivers Row (histórico conjunto de edifícios residenciais do Harlem), era um boteco clandestino, eventualmente chamado de Stork Club of Harlem, que atraía políticos e esportistas locais.



Para o chef Samuelso, que nasceu na Etiópia e foi adotado e criado na Suécia, a decisão de se envolver com “a mística, a beleza e a história do Harlem não podia ser tomada levianamente”.

“Vivi no Harlem por seis anos, e nos quatro primeiros anos não estava preparado para abrir um restaurante”, disse ele. “Eu não tinha licença para fazer isso até que sentisse que estava no Harlem e que era do Harlem”.

O Red Rooster pode ajudar a dar visibilidade ao Harlem, mas não exclusivamente para o consumo de turistas.

Assim como Paris, com que o chef sempre o compara, o Harlem, como bairro – abençoado por luz abundante, amplas avenidas e população diversificada – funciona como um palco sobre o qual um rico teatro de vida pedestre é encenado.



A vida nas ruas do Harlem é sempre “uma bagunça total”, disse recentemente o motorista aposentado Raymond Bailey, bebendo um licor Baileys no bar do Red Rooster.

Vestindo terno, um impecável chapéu de palha e óculos de sol Bailey deu uma olhada no público ao seu redor – um desfile que incluía linda jovens com vestido esvoaçantes e bolsas Prada, casais gays musculosos em camisetas regatas e sapatos Toms, grupos de idosas com trajes de noite, turistas francesas com aquelas calças Capri que só as turistas francesas ainda usam, e...olha, não é a modelo Cindy Crawford descendo de uma Suburban preta?
Sim, é.










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Harlem é um bairro de Manhattan na cidade de Nova Iorque, conhecido por ser um grande centro cultural e comercial dos afro-americanos. Apesar de o nome ser geralmente atribuído a toda a região alta de Manhattan, o Harlem é tradicionalmente limitado pela Rua 155 (155th Street) a norte e o Rio Harlem a leste. O limite ocidental de Harlem é o Rio Hudson, que serve adicionalmente como limite da cidade, do condado (county) e do estado de Nova Iorque.

ÁLBUM DE FAMÍLIA

O trabalho de Anderson Alves Cunha, conhecido como AC, que entre os dias 28 de julho e 1º de outubro estará estampado nas paredes brancas da galeria SOSO Arte Contemporânea Africana dentro da mostra ÁLBUM DE FAMÍLIA ANDERSON AC, está ligado à memória e a preservação através de relações entre presença e ausência. Utilizando o acervo de imagens e documentos de sua família, Anderson AC questiona o transitório através de diversas linguagens artísticas: pintura, graffiti, colagem, arte postal, vídeo, fotografia digital e literatura. Tem participado regularmente de festivais, bienais, trienais e mostras coletivas significativas.

Recentemente realizou intervenções urbanas na mostra 3 pontes, que integrou a II Trienal de Luanda, em Angola, outubro de 2010.



















+ ÁLBUM DE FAMÍLIA ANDERSON AC
De 29 de julho a 1º de outubro
SOSO ARTE CONTMEPORÂNEA AFRICANA
Avenida São João, 313, 2º andar
São Paulo / Brasil
+ INFO: (11) 3222-3973
www.soso-artecontemporaneaafricana.com

segunda-feira, 25 de julho de 2011

JAERGENTON E A MODA AFROURBEBRASILEIRA

Por Renata Felinto
Fotos MANDELACREW



Quando se pensa em uma possível moda que possamos chamar de afro ou de afro-brasileira, provavelmente, vem a cabeça de muitas pessoas as vestimentas confeccionadas em tecidos multicoloridos, com estampas geometrizantes ou repleta de símbolos abstratos e feitas a partir de cortes amplos, largos. Bem extravagante como, de acordo com o senso comum, é o povo africano e, portanto, o afro-brasileiro. Talvez sim, possa ser isso. Porém, dois dados são muito pertinentes para se pensar sobre essa moda afro. O primeiro é que, em geral, estes tecidos são produzidos em países como Holanda e Bélgica e, inicialmente, foram idealizados para atender ao mercado indiano sendo, posteriormente, oferecidos aos africanos e indo ao encontro do gosto estético de algumas populações africanas. O outro é que estas roupas que povoam o imaginário de vestimenta afro-brasileira são africanas, da África, e nós não somos africanos por mais que haja um coro reforçando esta ideia.



Quando se pensa em Brasil não se deve perder de vista a questão da diáspora africana, ou seja, o espalhamento do povo africano pelo mundo, se amalgamando às outras populações, de africanos ou não, se “antropofagizando”, se urbanizando. Desta maneira, para se pensar em uma moda afro no Brasil, entre as suas várias possibilidades de interpretações, se devem considerar a população negra que vive nas cidades, nos grandes centros urbanos, na periferia ou não, que trabalha, estuda, sai para curtir a noite, se locomove de ônibus, carros, metrôs e trens e que observa na paisagem circundante pessoas em situação de rua, prédios, casas, fábricas, comércios, muros, favelas, abandonados ou não, e interferidos pela arte (ou não arte) feita em spray e cartazes.


Jaergenton de Souza Correa, ou somente Jaergenton, traz estas questões na sua mente e na maneira como se veste desde os seus 13 anos de idade, além de refletir sobre uma afrodescendência que se materialize em vestimenta. Hoje, ao observar a sua produção é nítido que tenha atingido este objetivo de chegar a uma vestimenta confortável, que dialoga com a matriz africana sem intencionar ou se remeter literalmente à África, que traz a referência da urbani(ci)dade por meio da paleta de cores (cinzas, preto e terrosos) e que pode ser usada sem maiores ressalvas em ambientes diversos, de uma festa ao local de trabalho, sendo esta uma das preocupações do estilista e artista plástico.

Nascido em São Paulo, família original do bairro de classe média Jardim Bonfiglioli, localizado na Zona Oeste, nos arredores do Butantã, o estilista é filho de costureira e sempre se interessou pelos tecidos. Diz que uma de suas brincadeiras era amarrar e criar formas a partir dos retalhos das costuras de sua mãe, ainda que ela não gostasse tanto que seus cinco filhos (ele é o único homem) circulassem pelo espaço de costura porque, afinal, as crianças poderiam sujar as roupas dos fregueses. Curiosamente nenhuma de suas quatro irmãs se interessou por este ofício.



Remontando o momento em que seu olhar despertou para a observação das roupas como algo que poderia ser original, surge o nome do rapper MC Hammer que estourou na transição dos anos de 1980 e de 1990 com hits como U Can't Touch This'. Quem não se recorda das suas calças que mostravam a cintura demarcada, o cavalo (parte da calça localizada na virilha) baixo e as pernas se afunilando a maneira de uma calça emprestada do Aladin? A partir dessa fase, Jaergenton, como muitos de nós, passou a se questionar em relação à falta de informações e referências sobre o papel da população africana e de seus descendentes na história de nosso país, especialmente no que se refere aos conteúdos ensinados nas escolas. Notou muito jovem esta invisibilidade agressiva que fere o fortalecimento e direito de autoconhecimento dos afrodescendentes em nosso país. Assim, além de se interessar pela pesquisa destes assuntos, é neste momento que ele passa a pensar nas roupas que veste (calça jeans e camiseta branca, de modo geral), e como elas são padronizadas e não representam parte de sua identidade. A primeira peça diferenciada que incorpora ao seu guarda-roupa é uma túnica (bata preta) feita por sua mãe e abandonada por uma freguesa.



Aproxima-se, então, da cena hip hop e “charm” da cidade freqüentando lugares antológicos cujos bailes eram promovidos por grupos como “Chic Show”. Nestes espaços, especialmente no Clube da Cidade, próximo à Estação Marechal Deodoro do metrô, importante espaço de festas “Black” ao se pensar na cena negra paulistana dos anos de 1990, se depara com negros e negras lindos, perfumados, reunidos em grupos e que também buscavam uma forma de valorizar uma estética afrodescendente, ainda que de maneira inconsciente e não militante. As maquiagens, as roupas, os cortes de cabelos, as músicas dançadas, mesmo com marcada referência afrodescendente norte-americana imprimiam a estes espaços e aos seus freqüentadores o sentimento de coletividade negra, fortalecida pela adesão estética a elementos comuns e com importante papel na forja de uma identidade negra, urbana e paulistana. São os “tempos bons que não voltam nunca mais” ao qual Thaide e DJ se referem na letra da música “Sr Tempo Bom”.

Já produzindo as suas próprias roupas Jaergenton passa a freqüentar estes bailes e a enfrentar os olhares de curiosidade, zombaria e de admiração dos transeuntes durante o percurso para chegar às festas. A determinação desenvolvida durante a época em que praticava atletismo foram e são fundamentais em sua trajetória e nas reações de enfrentamento às situações como estas. O que era esquisito ou feio para alguns foi visto como original e belo para os colegas e amigos de baile e de dança que passaram a pedir que ele cosesse vestimentas semelhantes para ele. Passou a receber encomendas feitas por pessoas da comunidade negra, porém, de segmentos muito distintos, não se restringindo assim, ao público que freqüentava os bailes Black.




Aprimorou em um curso promovido pelo SENAC durante um ano. Em vez de cursar Moda na Faculdade Santa Marcelina, que tem seu curso reconhecido como o melhor do país e de onde saíram nomes como Alexandre Herchcovitch e Fábia Bercsek, preferiu cursar Artes e ampliar o seu leque de referências e de conhecimento. Porém, num lugar com um monte de pessoas antenadas para a questão da moda, não só as roupas produzidas por ele e que usava em seu cotidiano chamaram a atenção, mas também a descoberta de que ele era já um estilista. Convidado a realizar uma apresentação de suas criações em um espaço que, normalmente, era utilizado para apresentação de trabalhos de conclusão de curso, já no segundo ano da graduação em Artes realiza um desfile em formato de sarau que se contrapôs ao padrão dos desfiles ocidentes com passarela em linha reta ou “T”, e ainda, trouxe poesia, música, reflexão e provocação acerca dos padrões de beleza vigentes e propagados, incluindo apontamentos voltados à questão da acessibilidade nas vestimentas, desfilaram: uma moça de formas arredondadas e dois homens, sendo homem com uma das pernas amputadas. Com este trabalho de extrema autenticidade, além dos vários elogios recebidos, também conquistou um bom emprego na própria faculdade no qual ficou até a finalização da graduação. A apresentação lhe rendeu um convite para apresentar a sua produção no Parque da Luz e várias agências de modelo ofereceram seus agenciados para desfilar as suas criações, desde a HDA (especializada em modelos negros) até a poderosa Elite.




A cidade e as suas características decorrentes de uma industrialização e crescimento exacerbados são um dos elementos que alimentam a criação de Jaergenton. Neste sentido, ele diz que pensar esta roupa que traduz parte deste espírito também é incorporar soluções de vestimentas de literais morados da cidade, da rua. O artista e arquiteto austríaco Hundertwasser (1928-2000), é uma de suas referências e concebeu o conceito das “Cinco Peles”, sendo a primeira a epiderme, a segunda o vestuário, a terceira a casa do homem, a quarta o meio social e a identidade e a quinta o meio global, a ecologia e a humanidade, propondo assim, um pensamento que não separa o homem de seu meio. Jaergenton pensa na vestimenta urbana também como segunda e terceira peles, especialmente no caso dos moradores de rua, na medida em que a roupa deles passa a ser “casa” também, protegendo do calor e do frio, mas também do mundo. Ao incorporar este conceito, Jaergenton também lança mão de tecidos encorpados, por vezes, aparentemente pesados para compor suas criações. E por falar em tecidos, ele raramente utiliza um tecido do jeito que ele foi comprado. Antes ele costumava pintá-los antes de costurar as roupas. Hoje ele interfere neles a partir de manchas, desgastes feitos com máquinas (como as usadas por odontologistas), dentre outros recursos para dar às suas roupas a idéia de abandono, deterioração e fuligem que permeiam o cotidiano de quem vive na cidade de São Paulo. E por falar em abandono, um dos temas que o estilista e artista plástico vem pesquisando recentemente são os lugares abandonados da metrópole, realizando uma espécie de arqueologia dos imóveis fantasmas que existem em quantidade considerável por aí.



Ele acredita que os conceitos que norteiam a sua produção já estão fechados, ou seja, se durante a adolescência pesquisava intensamente sem saber exatamente a que conclusão chegaria, agora sabe o que quer transmitir através de sua moda “afro-antropológica-urbana”. Pensa, inclusive, em dimensões educativas desta vestimenta com a qual o consumidor deve se identificar para usá-la e não fazê-lo simplesmente por que é desta ou daquela grife. Neste sentido, acredita que se um jovem da periferia se influenciar por suas criações e idealizar algo parecido com uma costureira de seu bairro, que isso não seria um plágio, mas sim uma conquista porque seria a propagação e reverberação de suas idéias, construídas ao longo de 20 anos. Hoje com 34 anos, recusando fazer parte do grande circo da moda brasileira que inclui eventos de dimensões gigantescas como a São Paulo Fashion Week, Jaergenton se prepara para divulgar suas produções via redes sociais e continuar as suas criações com uma agulha na afrodescendência, a tesoura na cidade e o tecido na originalidade.



Yinka Shonibare (1962)
O artista inglês criado na Nigéria, Shonibare explora questões de raça e de classe através de uma série de linguagens que inclui a moda. Ele usa tecidos feitos na Europa, porém conhecidos mundialmente como africanos por terem caído nas graças das populações locais, para coser indumentárias vitorianas. Explora assim as relações de identidade entre africanos e europeus na contemporaneidade via construção do gosto estético.







+ Para entender Jaergenton
Palavras-chave:
cidade, conforto, basquete, hip hop, cultura “Black”, africanidade, ancestralidade, atletismo, corporeidade, movimento, identidade, liberdade, mãe, costura.


+ Para Ler
Hundertwasser: o pintor das cinco peles,
Pierre Restany
Editora Taschen
São Paulo, 2002


+ CONTATO
HAGADIMA E DESPIG - Ateliê Arte e Educação
Projetos Culturais & Vestimenta Afro Contemporânea
hagadimae@gmail.com

sexta-feira, 22 de julho de 2011

DESVENDANDO JOÃO

Por Nabor Jr.
Fotos: Frederico Mendes e Arquivo


“Modernizar o passado é uma evolução musical”, eternizou o cantor e compositor olindense Chico Sciense (1966 - 1997) na música Samba Makossa, presente no essencial Da Lama ao Caos (1994).



Ícone do manguebeat (movimento musical surgido no início da década de 90 no Recife, e que mistura ritmos regionais como o maracatu, rock, hip hop, funk e música eletrônica), o pernambucano levou ao pé da letra o discurso presente na canção e, não apenas modernizou o tempo transposto como aprofundou-se, compreendeu e respeitou o rico passado musical brasileiro antes de transmiti-lo as novas gerações. Eclética e bem sucedia mistura de ritmos dos seus álbuns comprovam isso.

Também foi modernizando o passado que no início dos anos 2000, durante uma apresentação do grupo carioca Forroçacana, liderado pelo multinstrumentista Duani Martins, que tomei contato com a obra de João Batista do Vale (1934 – 1996).


A pulsante e explosiva música Morena do Grotão (composta por João em parceria com Zé Cândido), revestida por uma linguagem mais dançante e percussiva, saiu da garganta do versátil músico direto para os meus ouvidos como uma bala de canhão. Fiquei hipnotizado.

Quem era aquele sensível compositor capaz de traduzir tal qual o sofisticado baião político-social de Luiz Gonzaga e o samba de breque da música nordestina de Jackson de Pandeiro, a refinada simplicidade da poética e transcendência rítmica do cancioneiro nordestino?

Descobri um sujeito tímido, sertanejo do norte, escuro como a noite. Neto de escravos, semi-analfabeto (apesar de exímio compositor, não sabia escrever, assim guardava músicas e letras na cabeça) e de hábitos simples: vivia andando descalço e não eram raras a vezes que circulava sem camisa.




Enquanto a maioria dos compositores da chamada música nordestina explorou o drama da seca, João do Vale cantou as desigualdades sociais, foi pioneiro em abordar, sem demagogia, o tema da reforma agrária: “É só me dar terra pra ver como é que é / Eu planto feijão, arroz e café... Eu sou bom lavrador / Mas plantar pra dividir / Não faço isso mais não” (Sina de Cabloco, com Jocastro Bezerra de Aquino).

Nascido na cidade de Pedreiras (cantada em verso e prosa em músicas como Morena do Grotão e Pisa na Fulô), interior do Maranhão, em 1934, João, do Vale no nome, mas do povo em sua rica poesia, era o quinto filho de uma família de oito irmãos. Freqüentou a escola até o terceiro ano primário, quando teve de interromper os estudos – não para trabalhar, mas para ceder lugar ao filho de um coletor recém-nomeado para trabalhar em Pedreiras. “Na época em que cursava o primário, foi nomeado um coletor novo para Pedreiras. Ele levou um filho em idade escolar. Tinha uns trezentos alunos, mas escolheram logo eu para dar lugar ao filho do homem. Hoje eles botaram rua com meu nome, me homenageiam, só para desmanchar o que fizeram... Mas nem Deus querendo eu esqueço” relembrou o artista durante uma entrevista.




A escola, ou falta dela, não foi capaz de impedir que João, formado na vida, transformasse em arte as dificuldades do sertanejo pobre (trabalhou de forma única as palavras, deixando fácil para o ouvinte o esclarecimento de suas idéias), realidade esta que tão bem conheceu: “Eu vendia pirulito, arroz doce, mungunzá / Enquanto eu ia vender doce, meus colegas iam estudar”. (Minha História).

Autor de grandes sucessos da música popular brasileira como: Carcará, Pisa na Fulô, Coroné Antônio Bento, Estrela Miúda, Na Asa do Vento, No Pé do Lajeiro, o artista, apesar de desconhecido do grande público, é reverenciado por ícones da classe artística nacional. Entre eles estão nomes como Chico Buarque, Fagner, Bibi Ferreira, Nara Leão e Ferreira Gullar.




“João do Vale é uma árvore frondosa, onde cada um vai e colhe um fruto”, disse certa vez Chico Buarque, que em 1981, ao lado dos amigos Fagner e Fernando Faro, produziu o álbum João do Vale convida (com as participações de Nara Leão, Tom Jobim, Gonzaguinha e Zé Ramalho). Em 1982, o mesmo Chico Buarque gravou um disco ao lado de João e, em 1994, voltou a reverenciar o amigo, reunindo artistas para gravar o disco João Batista do Vale.

João do Vale começou a trabalhar ainda menino (ajudava em casa vendendo balas e doces feitos pela mãe). Aos 13 anos mudou-se com a família para São Luís, onde participou de um grupo de bumba-meu-boi já compondo versos. Aos 14 veio morar no Sul – sonhava com o Rio de Janeiro. Como seus pais não o deixariam partir, fugiu de trem para Teresina onde arranjou emprego como ajudante de caminhão. Viajava de Fortaleza a Teresina, um dia chegou a Salvador, primeira cidade grande que conheceu, e em seguida foi para Minas Gerais. Chegou ao Rio de Janeiro, de carona, aos 17 anos e foi ser ajudante de pedreiro.






Com músicas e letras na cabeça (uma vez que não sabia ler nem escrever) começou a freqüentar as rádios cariocas com a intenção de mostrá-las a artistas. Em 1950, conseguiu que Zé Gonzaga (irmão de Luiz) gravasse Cesário Pinto, que faria sucesso no nordeste. E em 1953, foi apresentado a uma das “rainhas do rádio”, Marlene, que gravou Estrela Miúda que, tocada nas rádios, fez sucesso no Rio. João contaria depois que, ao ouvir a música no rádio, comentou com os colegas de trabalho, na obra, que era uma música de sua autoria. Eles duvidaram e lhe disseram que o sol quente estava prejudicando seu juízo.

Dois outros períodos foram muito marcantes em sua carreira. No início dos anos de 1960, conheceu Zé Kéti que o levou para se apresentar no ZiCartola, bar-restaurante de Cartola e Dona Zica que reunia artistas e músicos. Lá foi convidado a participar do show Opinião, ao lado de Zé Kéti e Nara Leão.






Idealizado por Vianinha (Oduvaldo Viana Filho), Paulo Pontes e Armando Costa e dirigido por Augusto Boal, o show Opinião estreou em dezembro de 1964, foi assistido por mais de 25 mil pessoas só no Rio de Janeiro, e levado a outros estados, constitui-se num marco de resistência artística ao regime ditatorial vigente no país. Este show, que lançou também Maria Bethânia (que substituiu Nara), com sua marcante interpretação de Carcará, foi relançado anos depois em 1975, com Zé Kéti e Maria Medalha, sob direção de Bibi Ferreira.

Apesar de o show Opinião representar o seu grande momento como compositor, a melhor fase da vida do artista ocorreu no final dos anos 70, quando ele foi o mestre-de-cerimônia da casa de shows Forró Forrado, na Rua do Catete, no Rio de Janeiro. Chico Buarque, Luiz Gonzaga, Elza Soares, Jackson do Pandeiro, Miúcha, Moreira da Silva, Clementina de Jesus, Clara Nunes, Jamelão, Djavan e até a trovadora argentina Mercedes Sosa se apresentaram na casa a convite de João.






Vivendo com uma pensão de cinco salários mínimos e de direitos autorais, em 22 de novembro de 1996, já com a saúde bastante debilitada, o músico sofreu seu segundo acidente vascular cerebral (o primeiro aconteceu em 1987, quando ficou internado por dois anos para tratar da semi-paralisia do lado direito do seu corpo). No dia 4 de dezembro teve o seu terceiro e fatal derrame, o que o levou ao coma. E no dia 06 de dezembro de 1996, sexta-feira, às 13h30min, com falência múltipla dos órgãos, morria João Batista Vale, o poeta do povo.

As músicas de João, que narram a história da sua infância pobre no Maranhão, da vida de migrante no Sudeste, o prazer pelo forró e, sobretudo, o orgulho da cultura nordestina, continuam vivas e seguem influenciando artistas em todo o país.






+ NOVAS VERSÕES
Maria Bethânia e Chico Buarque que nos perdoem, mas é do grupo de percussão corporal Barbatuques, a mais brilhante releitura do grande clássico de João do Vale, a música Carcará. Gravada em 2005, no álbum O Seguinte É Esse, a fulminante versão é a mais pura representação da vitalidade da música popular brasileira. Letra, melodia e a característica intensidade percussiva do povo tupinquim ali estão representados com pujança.

Destaque também para a interpretação de Pé do Lajeiro, na voz da cantora e compositora carioca Teresa Cristina, que e em parceria com o Grupo Semente, gravou a música no disco Delicada (2007).





+ LIVRO
Livro: Pisa na Fulô Mas Não Maltrata o Carcará
Autor: Marcio Paschoal
Lumiar Editora
2000
www.marciopaschoal.com

+ VÍDEO
João do Vale Muita Gente Desconhece
Gênero: Documentário
Diretor: Werinton Kermes
Ano: 2005
Duração: 30 min

+ CLICK
http://www.fundacaojoaodovale.com.br/







+ Zicartola
Acrônimo de Zica e Cartola, foi um restaurante aberto na cidade do Rio de Janeiro pelo compositor e sambista Angenor de Oliveira, o Cartola, e sua mulher Euzébia Silva do Nascimento, a Dona Zica. Foi ponto de encontro de sambistas de destaque na cultura brasileira, como Elton Medeiros, Nelson Cavaquinho, Ismael Silva e Aracy de Almeida, e grandes nomes da bossa nova, como Carlos Lyra e Nara Leão. Também foi palco do lançamento de Paulinho da Viola.


+ FORRÓ FORRADO
A melhor fase da vida do artista ocorreu no final dos anos 70, quando ele era o mestre-de-cerimônia da casa de shows Forró Forrado, na Rua do Catete, no Rio de Janeiro. Chico Buarque, Luiz Gonzaga, Elza Soares, Jackson do Pandeiro, Miúcha, Moreira da Silva, Clementina de Jesus, Clara Nunes, Jamelão, Djavan e até a trovadora argentina Mercedes Sosa se apresentaram na casa a convite de João.







+ DISCOGRAFIA

João Batista do Vale
BMG Ariola/ 1995

João do Vale
CBS/ 1981

Show Opinião – Nara Leão, Zé Kéti e João do Vale
Philips/ 1965

O Poeta do Povo
Philips/ 1965










“Há gente que pensa que culto é apenas quem leu muitos livros. No entanto, se tivesse tido, como eu a oportunidade de ouvir João cantar as músicas sertanejas que ele sabe, veria que ele é a expressão viva de uma cultura. De uma cultura que não está nos livros, mas na memória e no coração dos artistas do povo”.


Ferreira Gullar











“Quando eu fiz essa música (Coronel Antônio Bento), não passava assim de um reles baião, mas depois que Tim Maia gravou, as menininhas da PUC estudaram ela, e descobriram que era Rock Rural, aí eu fiquei sendo compositor de Rock Rural”.


João do Vale



quinta-feira, 21 de julho de 2011

ARTISTAS VIAJANTES DA NOSSA GOMA






O projeto ARTISTAS VIAJANTES DA NOSSA GOMA, contemplado pelo VAI (Valorização de Iniciativas Culturais) da Prefeitura de São Paulo, pretende, através de caminhadas pelas ruas da região do Conjunto José Bonifácio, também conhecido como COHAB 2, em Itaquera, reunir moradores do bairro com o objetivo de que os mesmos conheçam a história do local onde vivem.

Dessa forma, inspirado na produção dos artistas-viajantes que chegaram ao Brasil desde o descobrimento destas terras, especialmente a partir do século XVII, o projeto objetiva responder os porquês dos nomes de algumas ruas, das bibliotecas, dos serviços públicos, das construções mais antigas, dos parques públicos entre outros equipamentos, serviços e edificações da cidade.

Deste modo o grupo pretende fazer com que o morador, que muitas vezes percebe as leituras marginalizadas e estereotipadas que são feitas sobre o local onde vive, transforme parcialmente e positivamente esta realidade e percepção a partir de caminhadas baseadas em aspectos culturais, históricos e artísticos desta localidade.

O diálogo e a arte através do desenho de observação são os canais de comunicação e de registros que caracterizam este projeto.

São três horas de caminhada com paradas para observação, conversas e 30 minutos para um piquenique coletivo no final.



DATAS DOS ENCONTROS

23 de julho
27 de agosto
24 de setembro
15 de outubro
29 de outubro

A caminhada ocorre sempre das 10h as 13h30.






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INSCRIÇÕES:
viajantes@gmail.com
WWW.artistasviajantesdanossagoma.blogspot.com

segunda-feira, 18 de julho de 2011

BOTAS QUE CANTAM

Por Cristiane Gomes
Fotos Bruno Thomaz e Rodrigo Melleiro






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África do Sul. Fim do século XIX. A descoberta de minas de ouro e de diamantes pelos colonizadores britânicos faz explodir a luta pelo controle da riqueza mineral do país. Homens são brutalmente arrancados das mais variadas comunidades para servirem de mão de obra barata (para não dizer escrava) nas minas de ouro sul-africanas.

Amontoados em ambientes insalubres, marcados pela umidade e escuridão, eram acorrentados aos seus postos de trabalho e proibidos de falar uns com os outros. Não raramente permaneciam com água pelos joelhos e por causa disso apanhavam todo o tipo de enfermidades. O resultado, obviamente, era uma baixa produtividade.

Para minimizar os impactos negativos na extração do ouro, os colonos resolveram providenciar botas de borracha aos trabalhadores das minas.

Foi então que diante da intrínseca relação do africano com o corpo e a música, os mineiros perceberam que gritos, cantos, palmas e o batuque em suas botas poderiam ser usados como ferramenta para se estabelecer um diálogo sem que houvesse a necessidade do idioma. E aqueles homens que lutavam por uma vida melhor para suas famílias se dedicando à situações difíceis de trabalho, sem saber, estavam criando uma rica, complexa e vigorosa dança tradicional: o Gumboot.

Gumboot quer dizer botas de borracha, item tão importante nessa dança que está em seu próprio nome. Ao identificarem essa possibilidade, os mineiros sul-africanos começaram a aperfeiçoar os movimentos e sons em seus momentos de descanso, fora da mina, ou seja, nos alojamentos. Era para lá que levavam as botas e as correntes para que pudessem aprimorar sua comunicação. “O Gumboot nasceu de uma luta pela sobrevivência e depois, nos alojamentos, se transformou em uma dança propriamente dita, uma forma de diversão para aqueles trabalhadores”, conta Rubens Oliveira, diretor do grupo Gumboot Dance Brasil e precursor da dança em terras brazucas.

Hoje, o trabalho nas minas na África do Sul já não existe mais. Consequentemente, o Gumboot como mero instrumento de comunicação também não. Porém, a dança segue viva e forte sendo até ensinada para crianças em algumas escolas do país. Do século XIX das minas até o século XXI da modernidade, muitas coisas se transformaram. Atualmente as mulheres podem dançar o Gumboot, o que em sua origem era proibido, já que apenas os homens eram designados para o trabalho nas minas. Mas se alguns princípios do Gumboot foram se transformando em dois séculos de existência, a essência da sua origem ainda pode ser vista no corpo dos dançarinos contemporâneos. A coluna curvada, as pernas dobradas e altas, rentes ao peito, a mão aberta batendo na bota para causar um volume alto. Todos esses movimentos não são impunes. Foram criados e adaptados diante da realidade daqueles trabalhadores.



BRASIL
Em 2005, Rubens Oliveira então integrante da Companhia de Dança Ivaldo Bertazzo (onde começou sua carreira de dançarino) conheceu um grupo de bailarinos sul-africanos, os Kholwa Brothers, que estavam desenvolvendo um trabalho de formação com a Companhia dentro do processo de criação do espetáculo Milágrimas. Por três meses, o especialista em cultura sul-africana Derik Mlamboo, ministrou aulas básicas de Gumboot para a Companhia. Foi amor à primeira vista e Rubens mergulhou fundo nessa paixão. “Eles voltaram outras vezes aqui no Brasil e em todas elas, lá estava eu no hotel quase que 24 horas aprendendo com eles e, claro, ensinando coisas daqui”. Desde então, Rubens não parou mais de pesquisar sobre a dança das botas de borracha, até que em 2009 criou o Gumboot Dance Brasil. “O Gumboot me remete à uma força visceral. Ele entrou no momento certo em minha vida. A sensação que eu tenho é de que eu faço isso desde sempre. Acho que em meus ancestrais deve ter tido algum Gumboozeiro”, reflete Rubens. O grupo conta com 12 bailarinos, homens e mulheres, nem todos profissionais da dança (nele há uma psicóloga, um professor de educação física, jornalista, músico), mas unânimes na admiração do vigor, da força e da vibração que o Gumboot representa. “O mais gostoso é ver diferentes corpos desenvolvendo esse trabalho. Cada uma dessas pessoas traz uma referência corporal distinta”, acredita Rubens. “No início pensei que não daria conta. O Gumboot é uma dança que exige uma resistência física muito grande, além da concentração e coordenação”, conta a dançarina Janette Santiago, integrante do grupo e que, sim, deu conta de representar o vigor dessa dança

Os dois anos de pesquisa do Gumboot Dance Brasil resultaram na criação do espetáculo Yebo (que significa “sim, vamos” uma das palavras mais usadas pelos líderes das minas), que estreou no começo do mês de junho, na Sala Crisantempo, em São Paulo, com sessões disputadíssimas.

Foram duas únicas apresentações e muita gente ficou de fora. Além dos bailarinos, o espetáculo contou com a participação da banda paulistana Afro Electro, que desenvolve uma pesquisa de musicalidade africana. Foi a primeira vez que um espetáculo somente de Gumboot foi apresentado no Brasil. E que espetáculo! Yebo quis (e conseguiu) recriar a atmosfera rítmica e poética do ambiente sombrio das minas sul-africanas do século XIX.

A as apresentações, é verdade, já passaram, mas as lentes dos fotógrafos Bruno Thomaz e Rodrigo Melleiro, para nossa sorte, captaram as sombras, os gestos, a luz e a energia do sinuoso balé percussivo do Gumboot. Um ensaio pesado. Uma verdadeira pisada com bota de borracha.



CLICK
gumbootdancebrasil.blogspot.com
myspace.com/afroelectro

Bruno Thomaz
brunofotos.com

Rodrigo Melleiro
flickr.com/photos/nadsat

DIAS MELHORES

Por Indira Nascimento
Fotos MANDELACREW



A ÚLTIMA ENTREVISTA ANTES DA LIBERDADE




A tristeza, a solidão e as condições quase subumanas que rondam o falido sistema carcerário nacional deixaram de ser a sua morada. Ao menos fisicamente, o amargo cotidiano dos presídios brasileiros não mais lhe pertence. As limitações para sair, entrar, comer, ver o sol, a família e os amigos, igualmente ficaram para trás, trancafiadas entre as paredes de concreto e aço que cercam o presídio de Hortolândia, região metropolitana de Campinas, seu antigo endereço.

Aos 37 anos, Marcos Fernandes de Omena, vulgo Dexter, “o oitavo anjo”, conforme estabelecido pela justiça paulista no último dia 20 de abril, pagou sua dívida com a sociedade brasileira e é um homem livre.

Após 13 anos encarcerado (período em que formou, e posteriormente se desligou, do grupo de rap 509-5, nascido dentro do Carandiru, e em que compôs músicas que se transformaram em hinos da juventude pobre e negra do Brasil), o rapper hoje goza as coisas simples da vida, a liberdade plena e concreta e uma agenda lotada de shows, palestras, entrevistas e outros compromissos profissionais.

Pouco antes de sentenciada esta nova realidade que o cerca, no dia 16 de abril, ainda em regime semi-aberto, Dexter nos concedeu uma entrevista. A última como um homem exilado, como diz o seu excelente álbum Exilado Sim, Preso Não (2005).

Enquanto aguardava a participação que faria em um evento próximo ao largo do Paissundú, no centro de São Paulo, Dexter - acompanhado da esposa, Patrícia Omena (com quem está há 10 anos) - falou sobre sonhos, música, educação, a revolução vinda das periferias e o sistema carcerário: “Os atrativos dentro da prisão são totalmente degenerativos. O sistema não recupera ninguém, a pessoa tem que criar uma força interior, porque só depende dela mesmo. Mas tenho comigo que o dia de amanhã pode ser bem melhor!”, disse.

Mal sabia o rapper que quatro dias depois da declaração ele e a liberdade enfim se cruzariam. O dia melhor chegou.




OMENELICK2ºATO - Quem era o Dexter há 13 anos e quem é o Dexter hoje?
DEXTER -
Eu diria que a mesma pessoa. O mesmo caráter, a mesma gana. Só que com muito mais vontade de vencer hoje. Eu quero viver! Eu quero poder criar meus filhos, quero poder ser um bom esposo. Claro que eu sou um ser humano e erro pra caramba, mas eu quero ser um bom amigo para meus amigos, eu quero ser um cara comum, peço sempre a Deus para nunca me deixar ser um cara altivo, e preservar coisas que não são minhas, tá ligado?!

Claro que conforme os anos vão passando a gente vai ganhando experiência, decepções, frustrações e aprendendo a lidar com tudo isso. E essa somatória vai amadurecendo a gente. E o que fica mesmo é a lição de vida de cada um, e você pode se espelhar e tirar um pouquinho da vivência de cada um. Valorizar as coisas simples da vid, é a gente perceber essas coisas, sabe?! Talvez uma gota de água aqui não faça diferença, mas no deserto vai fazer.

OM2ºATO - Chegou a pensar em desistir do rap?
DEXTER -
Pensei, pensei. É muito difícil né...você estar lá dentro e não poder fazer o que ama fazer efetivamente, que é cantar, estar com o público é muito difícil. Me faltava isso. E muitas vezes por muitos motivos eu pensei em desistir. Eu pensei já era mesmo! Mas eu sempre tive um Deus maravilhoso que me guia, e minutos depois destes pensamentos ele me fortificava ainda mais. Pensar é natural por que somos humanos, mas desistir mesmo, aí é outra fita né.

OM2ºATO - De 20 anos para cá, quais foram às maiores mudanças que você percebeu no rap?
DEXTER -
Foram muitas as mudanças, agora nós estamos vivendo a tal de nova geração. Os manos estão cantando outras coisas, outros temas. O que eu acho valido porem não tão consistente quanto, eu nem vou dizer o nosso rap, mas quanto o rap mais engajado. São várias coisas que a gente poderia discutir em relação a essas novas músicas, essa nova tendência. Como o próprio Racionais já falou o rap é uma grande árvore com vários galhos. E algumas pessoas se identificam mais com rap ideológico. Agora falando de mim, eu acredito que os problemas continuam eu vejo os mesmos problemas só que de outra forma, talvez um pouco mais evoluídos agora.





OM2ºATO - Você fala muito em revolução. No lance da periferia ocupar espaços na sociedade e tal. A revolução será televisionada?
DEXTER -
O rap contribui muito para isso, assim como o Movimento Negro também, mas eu acho que a gente tem que estudar. Para mim, o rap é a válvula de escape para muitos problemas que a gente tem dentro da periferia, mas o estudo é a formação. Então, eu fico vendo outros países onde as pessoas são educadas de uma forma diferente. Por exemplo, nos estádio, eles vão para curtir mas, eles mesmos limpam os estádios (eu vi em Pequim, nas Olimpíadas). No Brasil é meio que uma bagunça em relação a tudo isso. Mas eu falo de revolução de uma forma geral, não adianta a gente querer revolucionar a casa dos outros, sendo que a nossa casa está toda bagunçada. Então é isso, acho que a gente tem que centralizar nossos pensamentos, ter um objetivo na nossa vida, o futuro está aí e nos espera. Todo mundo sonha em casar, ter filhos, ter uma casa... A revolução tem que começar primeiro dentro de você. Se você é preto você tem que se valorizar como tal, se você é branco você têm que entender que você também tem certa responsabilidade de fazer com que o futuro seja mais ameno. O mundo tá muito louco, as pessoas estão usando muita droga, o crime está em ascensão, às pessoas são frias, ninguém se cumprimenta mais eu já falei disso na música “Salve se quem puder” eu gostaria que o mundo fosse diferente.

OM2ºATO - Você guarda alguma magoa do Rap?
DEXTER -
Não, o rap só fez bem pra minha vida. O rap é um grande amigo que eu tenho. O rap salvou minha vida, salvou muitas pessoas da minha geração. Fez com que as pessoas da minha geração fossem aprender, fossem estudar, fossem aprender a falar corretamente, ou o mínimo pelo menos. Como ter mágoa? Não, tudo o que têm de ruim no rap, foram às pessoas que colocaram. Mas a essência do rap é maravilhosa, o rap faz parte de uma cultura que salva o bem mais valioso de uma pessoa, salva a vida. A partir do momento que você para pra prestar atenção em verdadeiras músicas de rap, você se transforma. Têm músicas que te colocam dentro da cena, é como se fosse um filme, assim como: “Um homem na estrada”, dos Racionais, “Brasília periferia”, do Gog, “Gente Visita”, do Realidade Cruel,“Soldado do Morro “ do Bill, “Senhor tempo Bom”, do Thaide, são musicas que te colocam dentro da situação, e você se transporta pro local, isso é rap de verdade. Primeiro tem que ter rima e depois uma construção muito loca daquela história que você quer contar. Aprendi isso com o Brown, não que ele tenha me dito, mas ouvindo as músicas dele eu percebi. E eu percebi que consegui alcançar essa medida quando depois de oito anos eu ouço “Oitavo anjo” e “Saudades mil” nas rádios. A letra boa fica né.

OM2ºATO - Antigamente sem a internet a rádio 105 Fm era a única maneira das pessoas saberem que o Dexter existia, certo ?
DEXTER -
Sim, ouvir uma música nova .Era uma febre... Antes da 105FM nós tínhamos a Metropolitana também com Aramando Martins, que era um puta programa... E hoje a gente não tem mais isso, eu senti saudade disso ontem, do Espaço Rap... Era o maior “auê”.Racionais vai lançar uma música a gente ficava esperando, programa do Aramando Martins todos os dias às dezenove horas, a gente ficava esperando... Era muito loca essa época do rap. A gente hoje em dia já não sente mais ansiedade de ouvir uma música nova na rádio. Esses dias eu vi um parceiro dizer na internet que logo, logo, muita coisa que estão dentro do rap hoje iria passar e que só os verdadeiros iriam ficar. E O Brown também já disse uma vez que a vida é dura e somente os duros continuarão caminhando. Então hoje eu digo assim “As únicas pessoas que realmente mudaram a história foram aquelas que conseguiram fazer as pessoas mudarem os pensamentos a respeito de si próprias” essa frase é de Malcom X , e o Rap pra mim é isso.




OM2ºATO - E o que você acha deste “novo rap”, com esses “novos rappers” que chegaram a televisão, a grande imprensa?
DEXTER -
É fato que o rap é uma música revolucionária. E isso não vai mudar, nem tem que mudar. Mas agora estão dizendo ai que o rap virou pop (risos). Eu acho que o Rap é pop no sentido de ser popular né, de ser do povo mesmo. Mas em outro sentido acredito que não, e nem tem que ser também. Sempre que penso nisso, penso na Banda Calypso, não sei por quê. Ou será que eu sei... Foi um fenômeno, mas hoje cadê a Joelma, cadê o Chimbinha?
Veja bem, não estou dizendo que sou contra você ir a TV. Eu acho que a gente deve selecionar as coisas. Eu já fui a Rede Globo, ou melhor, a Rede Globo já veio até mim. Dos novos eu ouvi pouca coisa, porque estava fazendo muita coisa e não tive tempo de esmiuçar o trabalho do pessoal. Mas eu conheci a Flora (Matos), menina educada. O Emicida eu ouvi pouca coisa, mas lembro de certa vez ele dizer que ouviu 509-E e que foi referência para ele.
Mas é isso, não adianta eu querer representar a playboysada que não vai dar certo. Acho que cada um é cada um. E eu sou um cara da rua e continuo com a mesma essência, eu não tenho essa de temática para disco, não fico inventando métrica, nem flow, nem gosto disso.

OM2ºATO - Como é pra você ser chamado pelo Mano Brown de o quinto elemento dos Racionais Mc’s?
DEXTER -
Pow é significativo ao extremo! O Brown tem uma representatividade muito grande na minha história, na minha carreira, nós compomos letras juntos. Eu acompanho o Brown desde 90, quando eu tinha um grupo chamado “Snake Boys”, eu já abria show pro Racionais na época. E minha amizade com Brown foi de bate pronto, ele é um cara que pensa as mesmas coisas que eu. Nós até comentamos recentemente que a gente parece irmão, ele foi um cara criado só pela mãe, sem pai e eu também. Nós temos uma identificação muito forte. Eu aprendi com Brown fazer revolução né, primeira música que eu ouvi e senti vontade de fazer igual foi “Pânico na Zona Sul” essa música me despertou, foi como se uma lâmpada acendesse em um quarto escuro. Foi quando eu falei pow, é isso ai que eu quero fazer. Eu acho que todo cara de periferia, toda mina de periferia têm vontade de gritar para o mundo. Extravasar tudo o que ele sofre lá dentro, toda pressão psicológica mesmo que inconsciente, nós somos meio que cobaias do sistema, não temos estudo adequado, trabalho adequado... Enfim, se até a classe média sente vontade gritar, imagina a gente que vive na violência... Bom, e ser considerado o quinto elemento pelo Brown é um dos prêmios da carreira né, ainda mais quando o elogio vem de um ídolo. Quero agradecer os Racionais são referência né, maior grupo de rap do Brasil. Só tenho agradecer ao Brown, Edi Rock, Kl Jay e o Blue também.

OM2ºATO - Recentemente você fez um show vestido com uma camiseta do Obama. Se você pudesse se encontrar com ele, o que diria?
DEXTER -
Primeiro eu iria dar os parabéns pra ele. Eu vesti a camisa do Obama, por que acho que a gente teve uma puta vitória, de ter um presidente negro. No dia que ele ganhou eu me senti o cara mais feliz do mundo, eu me senti justiçado!! Foi muito louco, poder ver a contagem dos votos, foi muito louco a gente poder perceber que as coisas pelo menos lá estão mudando. Isso repercutiu mundialmente e eu senti muito orgulho de ser quem eu sou, de ter vivenciado esse momento. Eu daria um abraço nele por tudo isso, pelo slogan que ele criou “Nós Podemos”. E pela injeção de ânimo que ele deu em todos os pretos do mundo, e nas pessoas no geral. Assim como o Lula também, foi um momento histórico que a gente viveu aqui. Depois disso a primeira coisa que eu diria pra ele, é para que ele acabasse com a prisão de Guantánamo, de fato acabasse com a prisão de Guantánamo. Depois a gente conversaria sobre diversos assuntos.








+ PARA VER
Entre a luz e a sombra
Direção Luciana Burlamaqui
Com Afro-X, Dexter e Sophia Bisilliat.
2009


+ PARA ENTENDER

. 28 de janeiro de 1998
Acusado de homicídio (art. 121) e assalto à mão armada (art. 157) inicia sua pena no presídio do Carandiru, em SP.

. 30 de dezembro de 2008
No presídio de Hortolândia, ganha o benefício da prisão semi-aberta.

. 20 de abril de 2011
Após 13 anos exilado, ganha a liberdade plena.


+ PARA OUVIR
Exilado Sim, Preso Não (2005)
Dexter & Convidados (2009)

Provérbios 13 (2000)
MMII DC (2002 Depois de Cristo) (2002)


+ 8º ANJO
oitavoanjodexter.blogspot.com




O BRASIL É UM PAPELÃO



No próximo sábado (30), das 15h às 20h, a FAT CAP GALERIA promove o lançamento da exposição O BRASIL É UM PAPELÃO, com obras dos artistas BIOFA, TGUI e ZÉIS.
O propósito da mostra, que tem o papelão como principal plataforma de sustentação dos trabalhos, é levantar questionamentos para situações como sustentabilidade, consciência social, política, daí a ambigüidade do nome da exposição.







+ O BRASIL É UM PAPELÃO
DE 31/07 A 10/09
ENTRADA GRATUITA
FAT CAP GALERIA - Rua Agisse, 280 – Vl. Madalena -SP
Realização 60`PRODUÇÕES




GALERIA TRAÇO LIVRE APRESENTA A ARTE DO GRAFITEIRO CRÂNIO


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Índios azuis, grafittis característicos do artista, são o tema da exposição TRIBOS, do artista plástico Fabio Oliveira, mais conhecido como Crânio, de29 anos.

Com influências da pintura maori, cultura tribal da Nova Zelândia, mescladas a elementos da cultura indígena brasileira, Crânio, ao pintar índios, leva aos espectadores algo representativo da cultura brasileira, ainda que distante de nossa realidade urbana. Com seus traços, os índios voltam a habitar Piratininga, como era conhecido por eles este torrão onde hoje se edifica a Pauliceia.

Sua trajetória nos muros da capital paulista teve início em 1998. Dois anos depois, participou da primeira exposição coletiva da Galeria Pop Up, ao lado de outros artistas de rua de São Paulo.







+ TRIBOS
ATÉ 13 DE AGOSTO
DAS 11H ÀS 20H
ENTRADA GRATUITA

GALERIA TRAÇO LIVRE - R. CARDEAL ARCO VERDE, 520 – PINHEIROS.
INFORMAÇÕES: (11) 2305 6792

segunda-feira, 11 de julho de 2011

NOITE DE LANÇAMENTO DA EDIÇÃO ZERO SEIS


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Na noite da próxima sexta-feira (15), a equipe da revista O MENELICK 2º ATO – Afrobrasilidades & Afins promove o lançamento da edição 06 da publicação.
O evento acontecerá na Serralheria Espaço Cultural & Produtora, na Lapa, em São Paulo, a partir das 19h.

Dando início ao segundo ano das suas atividades, a revista, criada em maio de 2010 na cidade de São Paulo e que ganhou a simpatia dos leitores por seu formato de bolso, projeto gráfico inovador, agradável ao tato, bem acabado e colorido, inicia agora uma nova fase. A aposta neste novo ciclo que se inicia apóia-se, mais uma vez, em um projeto gráfico ousado, com páginas maiores e referências estéticas ligadas ao tribalismo africano e ao construtivismo russo, privilegiando as linhas retas e os espaços vazios.

Com o objetivo de dar visibilidade aos protagonistas culturais, movimentos e produções artísticas de reconhecida relevância no processo de construção e consolidação da identidade negra no Brasil (e no mundo), bem como para as culturas popular e urbana, a revista vem se consolidando com uma agradável surpresa dentre os veículos nacionais impressos que se dedicam a chamada imprensa negra.

A noite contará ainda com a apresentação do projeto Afro Electro, grupo formado em 2009, na cidade de São Paulo e que utiliza sonoridades africanas presentes principalmente na cena musical atual de Paris.










+ SERVIÇO
NOITE DE LANÇAMENTO DA EDIÇÃO 06 DA REVISTA O MENELICK 2º ATO
Horário: das 19h às 21h (entrada gratuita)
Após 21h entrada R$ 15
Lista: R$ 10 (nomes p/ omenelick2ato@gmail.com)
Local: Serralheria Espaço Cultural & Produtora
Endereço: Rua Guaicurus, 857, Lapa – SP

sexta-feira, 8 de julho de 2011

ADMIRÁVEL PAULA BRITO

Por Valéria Alves
Imagens de Arquivo


150 ANOS DA MORTE DO
PRIMEIRO EDITOR BRASILEIRO






Durante a Regência (1831-1840), quando D. Pedro II teve sua maioridade penal proclamada em consequência da abdicação de seu pai, D. Pedro I, os brasileiros estavam insatisfeitos com o país. O cenário político estava dividido entre os Farroupilhas e os Caramurus. Os primeiros faziam oposição ao governo liberal moderado, representavam os interesses das camadas urbanas, defendiam a descentralização do poder e a autonomia administrativa das províncias. O grupo era composto, em sua maioria, por pessoas menos favorecidas economicamente, profissionais liberais, jornalistas, escritores e artistas. Os membros do partido Caramuru lutavam pela volta de D. Pedro I ao poder, além disso, eclodiram no Brasil diversas rebeliões organizadas e planejadas por negros escravos, entre elas a Revolta dos Carrancas (1833, em Minas), a Revolta dos Malês (1835, em Salvador) e a Revolta de Manuel Congo (1838, no Rio de Janeiro).

Neste cenário a Tipografia Fluminense de Brito & Cia. atua como fábrica de jornais e pasquins esquentando a guerra política, tornando-se ponto de encontro de intelectuais, artistas e políticos, um espaço de sociabilidade que reunia pessoas de diferentes posições políticas, entretanto, na tipografia, os conflitos partidários cediam lugar à literatura e à arte.





Francisco de Paula Brito (Rio de Janeiro, 1809-1861), ou simplesmente Paula Brito, como gostava de ser chamado, deu início ao movimento editorial brasileiro. Homem negro de origem modesta e sem instrução formal foi o precursor da imprensa e do mercado literário no Brasil. Tipógrafo, livreiro e poeta, tornou-se o editor preferido da elite carioca e o principal editor da sua época. Sua livraria foi associada ao Movimento Romântico. Reuniam-se em sua loja os romancistas Joaquim Manuel de Macedo, Manuel Antônio de Almeida, José de Alencar, Gonçalves Dias, o compositor do hino nacional brasileiro Francisco Manuel da Silva, Casimiro de Abreu, atores como João Caetano, os jornalistas Firmino Rodrigues e Joaquim de Saldanha.

A arte, a política e a literatura tiveram papel fundamental na vida de Paula Brito. Considerado o primeiro empresário negro do Brasil, fundou em 1850 a Typographia Dous de Dezembro, também foi pioneiro ao publicar literatos brasileiros remunerando-os por isso. Ao todo foram 372 publicações que serviram de porta vozes do movimento literário durante o período romântico.





NEGRO DE "COR"

Embora não pertencesse ao Movimento Abolicionista, Paulo Brito ressaltava sua posição contrária à escravidão. Membro dos Farroupilhas, era defensor da igualdade racial e da garantia dos direitos civis. O editor, através de versos e prosas, usa seus pasquins para mostrar seu descontentamento com os ideais políticos que estavam surgindo no mundo e para inserir no debate a questão racial e torná-la pública.

Si não tem o povo nellas,
do que nós mais liberta
Si as classes não se nivellão
por huma lei d'igualdade

Si homem de cor nos estados
Unidos (fallemos francos)
Infeliz, não faz a barba,
Onde barbeao - se os brancos







Em setembro de 1833 Paula Brito lança o periódico O Homem de Cor, que mais tarde passou a se chamar O Mulato ou Homem de Cor. Escrito por um mulato chamado Lafuente e por outros mestiços dedicados à luta contra o preconceito racial, aclamavam em seus escritos a igualdade e o direito de todo cidadão brasileiro a ocupar cargos públicos civis e militares, sem distinção de cor.
Um homem à frente de sua época, Paula Brito percebe a importância e a força do público feminino e, em 1832, redige e publica a pioneira revista feminina A Mulher do Simplício ou A Fluminense Exaltada.

Mas é no periódico A Marmota (1849-1864) que o editor, embora salientasse que este era um jornal de entretenimento e diversão, expressa de maneira mais solta e contundente sua relação com a sociedade em que vivia, seus costumes, religião, comércio e as relações morais e éticas, e assim publica:

É nesta vida a Mulher
um anjo para mim;
Assim meus pais me educaram
Meus filhos educo assim;

Vamos, porém ao que serve,
Que o meu fim é divertir
Aos que lerem A Marmota
Nela achando de que rir

Da Marmota eu fazer quero,
E pode ser que bem cedo
Uma cousa divertida
Um jornal para brinquedo

Portanto, lá vai mais uma
Moderna adivinhação
Que em damas bem educadas
Os homens encontrarão.

(Quadras do poema Eu, e as Minhas Lembranças)







SOCIEDADE PETALÓGICA

Paula Brito foi o fundador da Sociedade Petalógica, um clube literário que funcionava nos fundos da casa do editor e que promovia além da discussões políticas, encontros entre poetas e músicos em saraus regados a Lundus e Modinhas.

Reuniam-se em torno dessa sociedade jovens talentos das letras e diversos personagens de diferentes classes sociais, inclusive o mulato Teixeira e Souza que teve o primeiro romance brasileiro O filho do Pescador (1843), publicado por Paula Brito. Vale reler um breve relato sobre a Petalógica escrito pelo escritor e historiador Manuel José Gondin da Fonseca (1899 – 1977), e relembrado pelo escritor Oswaldo de Camargo (1936), em Um Negro Histórico:

Nos fundos da casa de Paula Brito nasceu em uma tarde a Petalógica, sociedade sem estatutos onde toda fantasia era permitida. A palavra “Petalógica” vinha de peta, mentira, mas, naqueles dias românticos supunham-na derivada de “pétala” os não iniciados que dela ouviam falar. João Caetano ria! As petas da Petalógica! Machado ria! “ cuidavam muitos! –
Diário do Rio de Janeiro, 11 de setembro de 1864.




Machado de Assis foi um ilustre frequentador da Sociedade Petalógica. Durante muito tempo foi funcionário da tipografia e, aos 22 anos, teve seu primeiro poema A Palmeira, publicado no jornal A Marmota Fluminense, de Paula Brito que, passa a ser seu editor.

Francisco de Paula Brito foi, sem dúvida, um artífice das letras, criativo e inventivo valorizava a literatura e a arte como nenhum outro da sua época. Considerado como um homem inteligente e apreciado por sua amabilidade, rompe as barreiras da cor e da pobreza para entrar na história como o primeiro editor negro e o principal articulador do mercado editorial brasileiro.








+ PARA LER

Paula Brito: editor, poeta e artífice das letras
Textos: Oswaldo de Camargo, Juliana Simionato e José de Paula Ramos Jr.
Organização: José de Paula Ramos Jr., Marisa Midori Deaecto e Plínio Martins Filho.
Editora Edusp
2010.


Vida e obra de Paula Brito
Eunice Ribeiro Gondim
Livraria Brasiliana Editora
1965






JORNAIS DE PAULA BRITO

* A MULHER DO SIMPLÍCIO
RIO DE JANEIRO (1832-1846)

* A MARMOTA NA CORTE
RIO DE JANEIRO (1849 – 1852)

* MARMOTA FLUMINENSE
RIO DE JANEIRO (1852 – 1857)

* A MARMOTA
RIO DE JANEIRO (1857 – 1864)

* ARQUIVO MUNICIPAL
RIO DE JANEIRO (1859 – 1862)



ALGUNS ESCRITORES BRASILEIROS
EDITADOS POR PAULA BRITO

* CASIMIRO JOSÉ MARQUES DE ABREU
AS PRIMAVERAS (1º EDIÇÃO/ 1859)

* JOSÉ MARTINIANO DE ALENCAR
A NOITE DE SÃO JOÃO (1860)

* JOAQUIM MARIA MACHADO DE ASSIS
DESENCANTOS (1º EDIÇÃO/ 1861)
QUEDA QUE AS MULHERES TÊM PARA OS TOLOS (1º EDIÇÃO/ 1861)