domingo, 25 de abril de 2010

Hamlet pra poucos radicaliza Shakespeare

O Príncipe Hamlet na pele de um sujeito comum da contemporaneidade, obeso, careca e com conflitos familiares, mas que vive em uma cama de hospital onde é constantemente dopado. Polônio, que já fora um conselheiro, transforma-se em um médico psiquiatra. Enquanto a doce Ofélia, heroína suicida de Shakespeare, vive uma frágil enfermeira e a viúva Gertrudes uma viciada em analgésicos e nos prazeres da sua alienação.

São essas algumas (mas apenas algumas) das novas características que os clássicos personagens de Hamlet, de William Shakespeare, ganharam nas mãos de Juliana Galdino, vencedora do Prêmio Shell 2002 como Melhor Atriz (por sua atuação em Medeia 2) e que faz sua estréia como diretora teatral com H.A.M.L.E.T, em cartaz no Club Noir, em São Paulo, até o dia 23 de maio.
A versão contemporânea e radical de um dos mais encenados espetáculos de Shakespeare também leva a assinatura de Roberto Alvim, autor do texto e que ao lado da diretora são os fundadores da Cia. Club Noir.


No palco do acanhado teatro do Club Noir (com capacidade para 42 pessoas), ao invés de um castelo imperial dinamarquês, H.A.M.L.E.T é ambientado num sombrio quarto de hospital (um verdadeiro cubo branco composto apenas por um criado mudo e uma cama) onde o protagonista está internado depois de sofrer uma crise nervosa.


Uma constante atmosfera de delírio permeia o espetáculo do começo ao fim. Diálogos existencialistas, densos e, por vezes, aparentemente desconexos com o enredo, interagem com uma atuação regular dos atores da Cia. Club Noir, que se sobressaem, é verdade, quando estimulados por pitadas de humor negro e indagações adaptadas a contemporaneidade.


Se o diálogo é intenso, o corpo, por sua vez, não fala. Os movimentos são contidos e cumprem um papel meramente técnico, conforme sugere a montagem. Bem como a trilha sonora, que não empolga, fazendo com que a peça tenha cenas de profunda monotonia.


Ao recriar Hamlet e reduzir drasticamente a versão original para 1h10 (visto que o texto de Shakespeare tem cerca de 4 horas de duração), Juliana condensa o texto, as ações e os diálogos, deixando o espetáculo mais dinâmico e menos cansativo, ao mesmo tempo em que aspectos fundamentais para a compreensão do todo ficam no ar. Hamlet teve, ou não, uma noite de amor com sua mãe?

Contudo, as constantes experimentações sugeridas pelo teatro contemporâneo e em Hamlet, em especial, permitem múltiplos sentidos e leituras para um espetáculo. Assim, no todo, H.A.M.L.E.T se sai bem, com destaque para o intrigante diálogo, o sóbrio cenário e o figurino dos personagens alheios ao ambiente hospitalar, que ora trajam indumentárias contemporâneas, ora medievais, que situam esteticamente o espetáculo na atualidade.

Mas é a eficiente iluminação que se destoa, para melhor, dos demais elementos. É ela quem brilha para destacar os complexos textos e também quem transmite sensações de profundidade no palco, dando nova vida ao cenário.

H.A.M.L.E.T é daqueles espetáculos cabeça, que foge do gosto popular por apostar em uma linguagem de difícil compreensão e em um cenário com poucos recursos plásticos, que valoriza o discurso, justamente o que o habitual espectador de teatro quer ver.

Para um teatro intimista com 42 cadeiras, na underground baixa Augusta, H.A.M.L.E.T cai como uma luva para o público alternativo que circula por ali, apreciador de acaloradas discussões sobre as possibilidades da arte contemporânea, de preferência em uma mesa de bar.



H.A.M.L.E.T
Texto: Roberto Alvim
Direção: Juliana Galdino
Assistente Direção: Rodrigo Pavon

Elenco: Renato Forner, Anapaula Csernik, Janaína Afhonso, Bruno Ribeiro, Felipe Rocha, Kenan Bernardes, Marcelo Barranco, Marcelo Ribeiro, Ricardo Grasson, Everson Romito
Cenário: Juliana Galdino
Figurinos: Juliana Galdino e Danielle Cabral
Iluminação: Juliana Galdino e Wagner Antônio
Trilha Sonora: Vicente Falek


Horários: sextas e sábados às 21h; domingos às 20h. Ingressos: R$ 30,00 (inteira) e R$ 15,00 (meia). Duração: 70 minutos. Censura: 18 anos. Capacidade: 42 lugares.


CLUB NOIR
Rua Augusta, 331 - Consolação - São Paulo - Tel: 3255-8448.