Além dos seus textos e montagens cênicas, o poeta e dramaturgo alemão Bertold Brecht (1898 – 1956), cujos trabalhos artísticos e teóricos influenciaram profundamente o teatro contemporâneo, também ficou conhecido por seus poemas marxistas. Em um deles, conhecido como o Analfabeto Político, Brecht condena as pessoas que se orgulham de odiarem e desconhecerem Política. Já que para ele, somos todos políticos, mesmo quando achamos que não.
Em parte, a afirmação faz sentido. Afinal, se por um lado ignorar a política pode ser uma forma de criticá-la, ao mesmo tempo é quase impossível permanecermos indiferentes a ela.
No Brasil, situação semelhante ocorre com as discussões envolvendo gênero, raça e etnia. Apesar de onipresentes no cotidiano de uma sociedade miscigenada como a nossa esses temas seguem como coadjuvantes nas reivindicações de uma população que, em sua maioria, é carente de uma formação intelectual e crítica mais aguda.
Assim, unindo o discurso á plástica e utilizando plataformas ditas “mais digestíveis” para a compreensão popular, muitos brasileiros (na música temos, por exemplo, o Rap dos Racionais MC´s; na literatura, as obras de Nei Lopes e no teatro “Os crespos” ) procuram, senão abrir os olhos da população, ao menos fazer com que temas políticos e raciais venham à tona e sejam introduzidos na pauta de discussões da sociedade.
Neste sentido destaca-se o trabalho desenvolvido pela artista plástica paulistana Rosana Paulino, graduada em Artes Plásticas pela ECA/ USP, especialista em gravura pelo London PrintStudio e que em entrevista ao OM2ªATO, afirmou detestar ser definida como uma artista engajada. “No meu caso é uma coisa que nasce de fora para dentro, questiono constantemente meu lugar – e o lugar dos meus – no mundo. Não nasce de algo que vem de fora, é a minha própria essência”, diz.
Solidária à dimensão social e política da história do Brasil, Paulino, que já realizou diversas exposições tanto no Brasil como no exterior, atualmente é doutoranda em Poéticas Visuais pela ECA, não submete em sua obra à plástica ao discurso crítico, pelo contrário, explora a história do país e a atualidade de algumas práticas construindo imagens fortes que criticam a manutenção do sistema de desigualdades mantidos em muitos gestos, as vezes silenciosos e muitas vezes indiscretos nas propagandas, no consumo desenfreado, na ansiedade de não corresponder às expectativas entre o ser e o parecer.
Desde o início de sua carreira, Rosana, nascida na cidade de São Paulo, onde atualmente vive e trabalha, vem se destacando por sua produção ligada a questões sociais, étnicas e de gênero, tendo como foco principal a posição histórica da mulher negra na sociedade brasileira. “Minha infância está presente em meus trabalhos. Fatos como se perceber negra e não ter nenhuma boneca com a qual pudesse me identificar olhar as heroínas e princesas e ver que entre elas não havia nenhuma negra, as famílias nos comerciais e livros escolares, tudo isto foi chamando minha atenção e me levando a discutir o motivo desta invisibilidade negra”, diz.
No livro Manobras Radicais (2006), os autores Paulo Herkenhoff e Heloisa Buarque de Holanda, afirmam que: “Certa parte da obra de Rosana Paulino trabalha o sistema de arte como uma espécie de gargalheira que constrange os movimentos de expressão da mulher negra”.
A constatação pode ser verificada em trabalhos como a série Bastidores (1996/1997) onde, para refletir sobre a violência doméstica contra mulheres, a artista reúne a fotografia sobre tecido a uma tarefa bastante feminina: o bordado, que é utilizado para denunciar o “nó na garganta” a impossibilidade de falar, de ver ou, no limite, apontar a privação dos sentidos causada pela violência.
Em O Baile (2004), por exemplo, Paulino desmonta o mito da festa de debutantes, situação que exaltaria a brancura, os cabelos lisos e nos apresenta uma situação constrangedora por qual passam as meninas negras quando diante tal questionamento. Nessa operação ela constrói uma produção que revela os sofrimentos decorrentes da frustração da menina negra em não conseguir se adequar ao modelo de beleza oficial.
Em Amas-de-Leite (2008), momento em que repensa o papel estruturante dessas mulheres no processo civilizador brasileiro, temos a denúncia da ausência de interesse de grande maioria dos artistas contemporâneos brasileiros em fazer um trabalho que reveja temas históricos ou que se inspirem ao universo da cultura popular.
Das muitas artistas mulheres na historia das artes visuais, poucas ou, até bem pouco tempo nenhuma delas, eram negras. Nesse contexto, a produção de Paulino não só vai dar um salto na medida que, como negra ela se diz a si própria, isto é, não é objeto de inspiração (uma boa comparação é o quadro A Negra, de Tarsila do Amaral), mas vai reinterpretar a história dos lugares sociais da mulher negra no Brasil.
A mulher negra é verdade, foi, nas primeiras décadas do século XX, objeto de representação para artistas como Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral, entre muitos outros, mas não foi ela própria que se auto representou. Temos em Rosana essa voz plasticamente forte que não só se diz, mas revê os estereótipos históricos a partir de um apuro técnico e cuidado plástico que não limitam seu trabalho a um engajamento que ilustraria uma posição política. Ela, ao contrário, vai muito mais longe ao se mostrar solidária às constantes investidas que pretendem desprestigiar a mulher negra e sua imensa participação no processo civilizador brasileiro. Ao revelar esses lugares de subalternidade ela põe sua produção no circuito das artes reforçando sua consciência política sem abrir da delicadeza que envolve ser uma mulher, negra e artista.
. Panorama dos Panoramas (Museu de Arte Moderna de SP/ 2008)
. Projeto TOLDOS (Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Portugal/ 2008)
. Mulheres Artista/Olhares Contemporâneos (MAC-USP/ 2007)
. Encontro Entre Mares - Bienal de Valência (Espanha/ 2007)
. Manobras Radicais (Centro Cultural Banco do Brasil, SP/ 2006)
. Colônia (Galeria Virgílio – SP/ 2006)
. Paixão (Mostra de inauguração do Museu Bispo do Rosário - Jacarepaguá, RJ/ 2006)
. Trienal Poli/Gráfica de San Juan: América Latina y el Caribe (San Juan, Porto Rico/ 2004)
. Mostra de abertura do Museu AfroBrasil (Museu AfroBrasil – SP/ 2004)
CLICK
rosanapaulino.blogspot.com
museuafrobrasil.com.br
LEIA
Autores: Paulo Herkenhoff e Heloisa Buarque de Holanda
Editora: CCBB/ SP
São Paulo, 2006
Livro: Yedamaria
Autor: Editora Imesp Editora:Imprensa OficialSão Paulo, 2006
Livro: Novíssima arte brasileira - um guia de tendências
Autor: Kátia Canton
Editora: Editora Iluminuras/FAPESP
São Paulo, 2000
Livro: Heitor dos Prazeres – sua arte e seu tempo
Autora: Alba Lírio e Heitor dos Prazeres Filho
Editora: ND Comunicação
Rio de Janeiro, 2004