quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Vaga Lembrança


Envoltos em bolhas invisíveis de solidão, munidos de ipod´s, notebooks, celulares e GPS´s, vivemos em uma sociedade que se vangloria da modernidade da qual desfruta. Nadando de braçada nos benefícios que a tecnologia produz, se quer nos damos conta que cada vez mais somos indivíduos e menos coletivo.

Essa reclusão afetiva, somada ao desinteresse cada vez maior por questões antigas e históricas da formação das sociedades vem nos distanciando da realidade física e histórica das coisas. Com os olhos fixos no amanhã, não nos damos conta o quão submissa e apática tornou-se nossa relação com o passado. E pior, essa amnésia influencia diretamente no entendimento, ou melhor, no não entendimento, dos fatos e acontecimentos que se dão no presente.

É como se a tão almejada facilidade do mundo moderno passasse uma borracha nas lutas e batalhas travadas por nossos antepassados que, com sangue, suor e lágrimas, tornaram possíveis à realidade da qual gozamos hoje.

Para as novas gerações, ou para grande parte dela, tudo é efêmero. Tudo nasceu pronto, esculpido e acabado. No Brasil, muitos pensam assim.

O que dirá então das minorias, como os negros, por exemplo, e da lutas destes pela igualdade de direitos travada desde o momento que o primeiro escravo oriundo do continente africano aqui pisou?

Reduzida a ínfimos acontecimentos, que nem de longe retratam, ou lembram, a trajetória de batalhas em terras brasileiras travadas pelos negros escravizados, a história do nosso povo é feita de vagos relatos e lembranças.

Porém, é importante que coloquemos os pontos nos “is” e, ao contrário do desejo de muitos (inclusive do próprio tempo), salientemos que em nenhum momento da era da escravidão no Brasil, o negro foi submisso a este regime, pelo contrário, jamais parou de combater as injustiças dos senhores de engenho e da monarquia.

Um episódio de extrema importância neste contexto, mas que sequer é mencionado nos livros que dizem contar a história do Brasil, atende pelo nome de “Revolta dos Alfaiates”, movimento abolicionista e de independência que aconteceu em agosto de 1798, na Bahia.

A insurreição, que teve início com a divulgação de panfletos feitos por Luis Gonzaga das Virgens (soldado do ligado à ala mais radical e popular do movimento, formada por negros livres), foi um marco na luta pela liberdade dos negros escravizados em solos tupiniquins.

A importância desta passagem histórica equivale, e por vezes supera, a Inconfidência Mineira. Isso por que a articulação na Bahia era mais arrojada, pois propunha a libertação das pessoas escravizadas – coisa que Tiradentes e companhia limitada não pensavam.

Em um dos panfletos distribuídos na “Revolta dos Alfaiates” (uma vez que os líderes do movimento exerciam este ofício), mas denominada “Conjuração Baiana”, constava a seguinte frase: "Povo que viveis flagelados com o pleno poder do indigno coroado, esse mesmo rei que vós criastes; esse mesmo rei tirano é o que se firma no trono para vos vexar, para vos roubar e para vos maltratar."

A revolta foi inspirada na Revolução Francesa, 1792 – nos ideais de Fraternidade, Liberdade e Igualdade.

No ato da detenção dos insurgentes foi feita também uma busca e apreensão de material, onde foram encontrados livros de filósofos iluministas e boletins franceses favoráveis à revolução francesa.

Por ordem da rainha portuguesa Dona Maria I - 59 pessoas foram investigadas e até torturadas, sendo 34 processadas e apenas 4 negros sentenciados a morte pela forca.

No dia 8 de novembro de 1799, os quatro condenados foram levados num cortejo triste pelas vias publicas de Salvador, sendo assistidos pela população local, formada em 80% por negros, que fazia silenciosa reverencia aos seus heróis.

Os quatro acusados foram enforcados na Praça da Piedade e tiveram as suas cabeças cortadas e demais partes do corpo espalhadas pela cidade, penduradas em varas de pau.

Se a pátria, nem os livros, os ignoram, assim como o fizeram com a revolta em si, cabe a nós, cidadãos brasileiros, reconhecê-los como mártires da luta pela igualdade, ainda tão almejada pelos negros (e outras minorias) mais de dois séculos depois.

Submissão, jamais!


+ INFO:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Conjura%C3%A7%C3%A3o_baiana