No auge dos movimentos estudantis e de extrema esquerda registrados nos anos 60 e 70, o Brasil, assim como boa parte dos países capitalistas ao redor do planeta, vivia um período de grande efervescência cultural e política, em sua maioria protagonizado por jovens que radicalizavam as estruturas do sistema conservador que dominava o mundo, e que há anos estava no poder.
Naquele momento, é verdade, as revoltas e barricadas, se comparadas ao tamanho e barulho que provocaram, pouco surtiram efeito de imediato. Anos mais tarde, porém, ainda como resultado daquelas conturbadas manifestações, diversas conquistas foram obtidas pelas minorias, muitas delas desfrutadas ainda hoje pelas gerações que se seguiram.
Naquela época as artes, muito mais do que simplesmente entreter, eram responsáveis por formar opiniões, ideais políticos e até mesmo filosofias existenciais. A Tropicália e o Cinema Novo, no Brasil, por exemplo, foram assim, contraculturalmente apresentando um novo caminho a seguir.
Hoje, mais de 40 anos depois, o sangue escorrido e o sua derramado por milhares de jovens apresentam, no máximo, um ínfimo legado. No Brasil, por exemplo, especificamente no campo das artes, o que vemos é a sua banalização, ou melhor, a sua mal ou sub utilização.
A subversão e o engajamento que antes acompanhavam as produções artísticas se perderam no espaço, e atualmente se restringem a uma ou outra manifestação. Peguemos a música brasileira como exemplo, que, ao meu ver, perde força e significado ao ser concebida apenas como puro entretenimento. A arte, especialmente em nações que enfrentam fortes desigualdades sociais, raciais e econômicas como o Brasil, deve sim ser um instrumento de contestação, de alerta.
A arte engajada, se bem utilizada, pode ser o impulso que a conformista classe média e a desiludida camada pobre da sociedade brasileira precisam para rever seus conceitos e sacudir seus interesses monogâmicos de conforto individual.
Dentro deste contexto, a única manifestação que hoje procura abrir os olhos da população atende pelo nome de Rap. O movimento é o único dentro da música nacional que procura apresentar a população a verdadeira face do Brasil, suas desigualdades, preconceitos e fragilidades institucionais.
Talvez seja por isso, que o ritmo consegue, como nem um outro, despertar nos nossos jovens o engajamento social, político e cultural que a escola, os meios de comunicação e a própria família, já dominados pela indústria capitalista, não são capazes de fazer.
Não por acaso, Caetano Veloso, um dos ícones do Tropicalismo, defende e admira o ritmo. Muito provavelmente em razão do forte apelo contraventor e de mudança que o Rap transmite.
Será que mora aí a repudia que o gênero sofre por parte das autoridades e de grande parcela da população? Muito provavelmente sim, já que movimentar multidões e formar opiniões contrárias ao que stabilishment e a preguiçosa classe média pregam, geralmente afrontam os interesses de quem lucra com esta imobilidade política e cultural em que vivemos.
O Rap, norte-americano de origem, mas brasileiro de coração, é hoje a mais pura e verdadeira música feita em solos tupiniquins. E ainda por cima nos faz pensar, para o desespero das classes dominantes, que seguem nos abastecendo com canções de amor e dizendo que o Brasil é um mar de flores.