terça-feira, 1 de setembro de 2009

COERENTE ALMA DO NEGÓCIO

BREVE TEXTO SOBRE A POPULARIDADE ALCANÇADA
PELO GRUPO DE RAP RACIONAIS MC´S QUE,
ATRAVÉS DA NÃO-MÍDIA,
JÁ VENDEU MAIS DE 1 MILHÃO DE DISCOS







Foram exatos cinco anos de espera desde o último grito de liberdade. Até que em uma madrugada qualquer no extremo sul da cidade de São Paulo, a calmaria cessou e a barreira da reclusão foi novamente vazada. O incômodo silêncio que já durava meia década foi despertado por uma brusca freada, seca, que rasgou a escuridão. Logo em seguida vieram os tiros e o latir dos vira-latas.

Assim, ao som de pneus cantando, estalos de arma de fogo e a conhecida repulsa do sistema no ar, os Racionais MC´s apresentaram oficialmente ao público o álbum “Nada Como Um Dia Após o Outro Dia”, - lançado em 2002, pela Cosa Nostra Fonográfica (próprio selo do quarteto).

Sem estardalhaço, manchetes de jornal, anúncios em revistas ou propagandas na televisão, o quinto trabalho dos paulistanos Mano Brown (Pedro Paulo Soares Pereira), Ice Blue (Paulo Eduardo Salvador), Edy Rock (Edivaldo Pereira Alves) e KL Jay (Kleber Geraldo Lelis Simões), vendeu mais de 300 mil cópias e fez o grupo superar a marca de 1 milhão de discos comercializados na carreira, oficialmente iniciada em 1988.

Do último CD pra cá, sete anos se passaram e muita coisa mudou. Um negro de descendência mulçumana, por exemplo, hoje governa a maior potência econômica do mundo; James Brown, Michael Jackson, e até Dercy Gonçalves já morreram. Mas a popularidade, e a forma com que o grupo a conquistou, mesmo restringindo (e muito) a divulgação das suas idéias e a distribuição dos seus trabalhos para o grande público, segue singular, e há mais de uma década desafiando a lógica comum do mercado cultural moderno, excessivamente capitalista e que prega a massificação dos meios a qualquer custo.

Ao tratar a mídia com indiferença, repulsa, evitando-a como se perseguissem o anonimato, os Racionais estabelecem novos paradigmas na relação mídia, artista e público, amedrontam a indústria musical brasileira convencional e jogam as favas os conceitos e teorias dos mestres da comunicação. Estratégia, ou melhor, linha semelhante a esta pode ser observada nos traços do inglês Bansky, famoso artista de rua (conhecido pelos seus stencils nas ruas de Londres), que nunca mostra a face e que raramente concede entrevistas. Bansky, assim como os Racionais, tem na não-mídia a melhor ferramenta para a expansão dos seus objetivos. No caso, subverter, chocar sem que para isso, como dizem, tenham que se “corromper”. Para ambos, a compreensão é mais eficaz do que o conhecimento em si.

No caso dos Racionais, o pioneirismo no movimento de Hip Hop em São Paulo, a conduta de valorização das origens (presente na atitude, nas letras e na musicalidade do grupo), a facilidade com que conseguem transitar entre “manos” e “playboys”, com letras que despejam o realismo das periferias e dos guetos paulistanos, mesmo que por vezes em exaltação ao bandido, e o expressionismo das idéias de quem veio de um lugar onde tudo ao redor é superlativo, somado a exclusividade e a fidelidade que proporcionam aos seus pares (shows do grupo podem ser vistos com relativa freqüência nas periferias da capital), são os fatores estruturais deste sucesso conquistado as avessas.

Obviamente, o talento do grupo (que coleciona fãs do calibre de Caetano Veloso) é primordial para que a linha de conduta que seguem seja bem sucedida.


A ausência em grandes casas de espetáculos, TV´s abertas e programas de rádio, é condizente as idéias defendidas pelo grupo, de que toda manifestação social, econômica e étnica que se preze deve ser contra o sistema. É aí que entra a alma dos Racionais, a coerência, no discurso e em curso. Fazer-se valer por uma palavra, sem precisar pedir desculpas depois.