domingo, 16 de agosto de 2009

O GALO VOLTOU A CANTAR

crítica
álbum_Nada Como Um Dia Após o Outro Dia _lançamento_2002
_artista_racionais mc´s_gravadora_Unimar Music_produzido por_racionais mc´s, zé gonzalez e daniel ganjaman


Foram exatos cinco anos de espera, antes já haviam sido quatro, até que em uma madrugada qualquer no extremo sul da cidade de São Paulo, o silêncio da reclusão foi novamente quebrado. Desta vez, pelo som de uma brusca freada que rasga a escuridão, seguida de rajada de tiros e vira-latas latindo. O dia amanhece. O galo voltou a cantar.

A voz de Mano Brown, vocalista dos Racionais MC´s, narrando o início do seu próprio dia, que se confunde com o de um jovem, negro e pobre morador da periferia, anuncia o novo trabalho do mais importante e influente grupo de Rap do país.

Em “Nada Como Um Dia Após o Outro Dia (2002)”, quinto trabalho dos paulistanos Mano Brown (Pedro Paulo Soares Pereira), Ice Blue (Paulo Eduardo Salvador), Edy Rock (Edivaldo Pereira Alves) e KL Jay (Kleber Geraldo Lelis Simões), o grupo volta a narrar com precisão o universo pobre, negro e marginal daqueles que vivem nos subúrbios de São Paulo. Esta “fórmula”, aliás, é a mesma que os tornou conhecidos em todo o país com o álbum “Sobrevivendo no Inferno”, lançado em 1997.

A similaridade dos trabalhos está também na construção da base de sustentação das vozes. O ritmo, o balanço, as cordas e toda bugiganga percussiva do grupo continuam entregues as habilidades de uma única pessoa, KL Jay. O veterano DJ, fortemente influenciado pelas mais variadas vertentes da música negra norte-americana, especialmente a produzida nas décadas de 60, 70 e 80 (por nomes como Marvin Gave, Michael Jackson, James Brown, Steve Wonder), ainda está por lá, eficiente e dono da rústica cozinha dos Racionais.

Ao contrário de um punhado de rappers e grupos, alguns famosos dentro do estilo, como o paulistano Rappin Hood e o carioca MV Bill, que agregaram ao som eletrônico das pick-ups a vibração dos chamados instrumentos convencionais (cordas, percussão e metais) - muitos inclusive com o objetivo de agregar o valor de música, propriamente dita, ao ainda discriminado Rap - os Racionais mantiveram suas origens. No CD, o som é preenchido, cheio, rico em variações eletrônicas vindas das pick-ups. Apesar disso, carece de swingue, improvisos. Uma boa banda na retaguarda do quarteto elevaria a qualidade do grupo e contribuiria em faixas mais dançantes como “1 por Amor 2 por Dinheiro” e “Estilo Cachorro”.

A ausência desses recursos (que na verdade não acompanham um grupo de rap tradicional, formado apenas por Dj´s e MC´s) é recompensada pelas composições e melodias do álbum. Do começo ao fim do CD percebe-se a preocupação com arquitetura das letras e a intenção de se valorizar o conjunto como tal, ora construindo narrativas precisas, ora intercalando os vocais.

A miséria, as fitas, tiroteios, drogas e baladas, são o carro chefe do álbum (assim como no disco anterior), mas esses temas agora dialogam com mais freqüência com citações bíblicas, críticas raciais, sociais e influências que o pensamento de nomes como Martin Luther King, Malcom X, Bob Marley, Sabotage, Lampião e outros idealistas exercem sobre o grupo.

Para os Racionais, “Nada Como Um Dia Após o Outro Dia” é mais do mesmo, mas com mais tempero. Para quem há cinco anos aguardava o galo cantar, é tudo.