quarta-feira, 29 de abril de 2009

O homem, a lata e a realidade das ruas. Compreender ou sentir?


Quinta-feira, dia 23 de abril de 2009. Meu relógio, que um dia já foi preto, mas que pelas minhas andanças dominicais pela terra do rush eterno agora se revela multicolorido, registra 19 horas e 48 minutos.

Enquanto dirijo pela avenida Europa (sentido bairro), no luxuoso Jardim Europa, na Cidade de São Paulo, uma simpática moça de voz doce da Rádio Bandeirantes, anuncia a temperatura na capital: 18 ºC.

Mas a sensação térmica na região, em razão do ventinho sorrateiro que desde o final da tarde balança os galhos das árvores e os cabelos de quem transita pelas ruas da capital, faz a temperatura despencar para os 15 ºC.

Congestionamentos a parte, não demora muito e chego ao meu destino, o Mube (Museu Brasileiro da Escultura), que entre os dias 19 de março e 26 de abril abrigou a exposição “Grafite Fine Art”, que reuniu artista como Binho Ribeiro, Does, Dalata, Anjo, Graphis, o norte-americano Cern, Chivitz, Nove e Presto.

Lá, precisamente na Sala Burle Marx, pouco mais de 20 jovens aguardam o início do debate entre o empresário Baixo Ribeiro (dono da Galeria Choque Cultural), o grafiteiro Binho Ribeiro e o curador do Mube, Jacob Klintowitz.

Além da idade, que não ultrapassa a casa das três décadas, o público presente no evento reúne outra particularidade, o visual despojado, quase descompromissado, meio grunge por vezes meio sujo. Os meninos, maioria do público no local, vestem calças e camisas largas, os cabelos são propositadamente rebeldes e a postura nas poltronas é largada. As meninas, se por um lado são mais formais, por outro também são mais coloridas que os rapazes.

Por volta das 20h10, já acomodados nas confortáveis poltronas vermelhas da sala, o grupo aguarda o início do debate enquanto cochicham um assunto ou outro. Neste instante, a mediadora do evento, uma funcionária do Mube, sobe ao palco da sala e, enquanto as luzes da platéia vão diminuindo de intensidade, ela anuncia o início do debate. Neste momento sobem ao palco os “artistas” da noite.

Na pauta, arte urbana, sua produção e comercialização nos dias de hoje.

No centro da mesa, o empresário Baixo Ribeiro, que tem no público jovem (endinheirado) seu principal público alvo, defende a comercialização da arte urbana e a utilização de telas e de qualquer outro suporte capaz de tornar o produto comercializável. “Tenho prazer em ganhar dinheiro”, afirmou em certo momento da conversa.

Do lado esquerdo do empresário está Binho Ribeiro (dono de um traço conhecido dentro do universo do Grafitti), que defende a categoria e, como não poderia deixar de ser, encontra dificuldades em explicar o porque de se fazer, gratuitamente, desenhos espalhados pela cidade, assim como para explicar objetivo final da sua obra e a relação dos grafiteiros com os pixadores. A platéia, apesar de jovem, apresenta dificuldade em assimilar tais peculiaridades.

A efemeridade do grafitti, as invasões a Bienal e a Galeria Choque Cultural, a relação entre grafiteiros e pixadores, a lei Cidade Limpa, a comercialização do grafite, o limite entre o público e o privado foram alguns dos assuntos discutidos.

O debate foi acalorado, com intensa participação do público e dos palestrantes, detalhe este que poderia nos antecipar a dizer que o resultado do evento foi positivo, não é mesmo?

E foi, mas com algumas ressalvas, não direcionadas ao evento em si, mas pelo movimento que reúne milhares de jovens da cidade e que, mesmo assim, ainda continua sendo um tema áspero e de difícil assimilação para quem não vive, ou não viveu, a realidade das ruas.

O Grafitti e a pixação são movimentos que necessitam de uma aproximação das pessoas com a realidade para que as mesmas consigam ao menos entender os princípios básicos que movem a juventude pelas ruas da cidade: o respeito, o desapego à obra final, a produção coletiva, a transgressão, a ideologia urbana, a interação com as pessoas e, principalmente, o desejo de fazer arte pela própria arte. Ou seja, sem a preocupação de obter lucro, ou qualquer tipo de vantagem financeira ou material.

O Grafitti das ruas jamais poderá ser reproduzido em uma tela, ou mesmo em uma instalação dentro de uma Galeria ou Museu. O que observamos nesses lugares são obras que utilizam as técnicas do Grafitti, mas, que ainda seguem sem uma denominação definida.

Talvez ainda seja um pouco difícil para os verdadeiros artistas urbanos aceitarem esta mudança de ares, mas esta transformação simplesmente acompanha a evolução natural dos seres humanos, do mundo, e logo, da arte, e deve ser respeitada.

Independentemente do suporte utilizado, o grafitti, a pixação e arte urbana exposta em galerias e museus segue sendo difícil de ser compreendida pela sociedade, ainda bem, porque ela não deve ser entendida, e sim sentida.



ps.
“Tanto o Grafitti como a pixação são estilos de vida. Não somos grafiteiros uma vez por mês, ou duas vezes a cada semana. Somos todos os dias. Andamos para cima e para baixo olhando muros, portas e portões como um faminto vê um prato de comida”. Binho Ribeiro