sexta-feira, 5 de novembro de 2010

1960 + 2010

Por Sidney Santiago
Texto produzido em homenagem ao 50 anos de lançamento do livro Quarto de Despejo (1960 - 2010)
Especial para O MENELICK 2º ATO


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Uma Iansã louca que dançava na brasa de Xangô ,usava colar de pérolas e tinha cerol na língua.
"Quando agente tem fome a gordura fritando na panela é um espetáculo deslumbrante...”, dizia.

O que falar de Carolina Maria de Jesus?

Uma mulher negra favelada que escreveu um livro sobre a favela, ou uma catadora de papel que nas horas vagas resolvia escrever e seus escritos foram achado e publicados?

Nem uma das descrições acima me apetece. Carolina é muito mais, ela foi navalha que feriu profundamente os interesses do projeto nacional de invisibilizar a maioria. Carolina foi megafone ambulante, caixa de música e como todo artista que é genial, ela sangrou na avenida. Como materializar essa mulher que no auge dos anos 50 e 60 foi uma pedra no sapato de Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros?

Certa vez Carolina disse: “O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome. A Fome também é professora”. (Pós lula seria Carolina também vidente?)
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O fato é que ainda optamos e preferimos a Carolina factóide, sofrida que nasceu em Sacramento (MG), mulher largada , mãe solteira de três filhos, vítima de todas as mazelas do país. Assim preterimos a criadora de imagens, a musa, a testemunha, a sonhadora, e damos sombra a uma voz que nos conta.

Nosso dever de casa e das futuras gerações é produzir e investigar a Carolina literata, a cirurgiã perfeita na elaboração de metáforas. E assim Carolina Maria de Jesus ocupará seu lugar de merecimento: ser ensinada como literatura brasileira em todas as escola do país.



Sidney Santiago é ator e um dos fundadores da Cia. de Teatro Os Crespos.