segunda-feira, 12 de julho de 2010

Yêda Maria: A cor sem rancor

Por Alexandre Bispo especialmente para O MENELICK 2º ATO
Fotos MANDELACREW

Filha única do casal Elias Félix de Oliveira (do qual a própria artista tem poucas lembranças) e Theonila da Silva Correa (professora primária), a artista plástica Yêda Maria Correa de Oliveira, neta de Gabino da Silva Correa, também professor, nasceu em 1932, na cidade de Salvador.

Em 1936, com aproximadamente 6 anos, perdeu o pai.

Após terminar os estudos secundários graduou-se na Escola de Belas Artes da Bahia, em 1959. Enquanto fazia o curso recebeu, em 1956, menção honrosa no Salão Baiano de Artes Plásticas pelo trabalho Barcos da água de meninos. A obra, que mais tarde viria a ser considerada sua pintura inaugural, retrata um tema fartamente observado na história da arte ocidental desde o século XVII.

Em 1962, Yêda cursa gravura na Escolinha de Arte do Brasil, no Rio de Janeiro, importante meio de formação de novos artistas fundado por Augusto Rodrigues, Lucia Alencastro Valentim e pela artista norte americana Margareth Spencer, em 1948.

No mesmo ano volta à Bahia e estuda gravura com Henrique Oswald. O professor, entusiasmado com os resultados da aluna, envia uma gravura da artista para o Festival de Artes de Ouro Preto, em Minas Gerais, onde ela é premiada no seguimento Artes Gráficas. Isso a estimula a conhecer mais as técnicas de impressão.

“Da mãe aprenderá uma lição poderosa: nunca se intimidar com a pressão discriminatória dos preconceituosos que tentam reduzir ou desumanizar a pessoa negra”.

Os anos 50 e 60 serão, para ela, marcados pela produção plástica de paisagens e cenas marinhas. A pincelada inicial é forte e expressiva, mas logo a artista direciona seus interesses para a síntese que une cor e geometria. Os barcos são reduzidos a sugestões que captam deles o mínimo geométrico; a cor que se tornará uma marca importante na produção da artista começa a revelar-se frutífera.

Na composição Barco com frutas, de 1964, é exatamente o que ocorre: observe que os barcos são identificáveis apenas por triângulos a evocar velas hasteadas - tornam-se apenas detalhes, formas cromáticas. Nesse mesmo trabalho apresenta-se pela primeira vez o tema que ganhará enorme vigor na produção da artista – a natureza-morta.

“A arquiteta Lina Bo Bardi e o escritor Jorge Amado foram grandes incentivadores da produção plástica de Yêda”.

Este gênero, do qual Yêda extrairá uma incrível quantidade de cores alegres e iluminadas e que atualmente é a marca principal de seus trabalhos, é resultado da observação sistemática de seus modelos - frutas, flores, mesas arrumadas com esmero -, representações que dão o tom de uma organização estética do mundo. Assim, se nessa pintura as frutas têm certo destaque na composição, mais adiante elas se tornarão o centro das atenções e do investimento - a alimentação absorverá completamente os interesses da artista baiana.

A arquiteta Lina Bo Bardi certa vez disse a Jorge Amado: “preste atenção a essa jovem, tem talento e futuro”.

Em meados de 1969, seus trabalhos passam a fazer alusão à feminilidade, misto de religiosidade afro e preocupações feministas comuns naquele período. Já em 1972, a artista une colagem e pintura como em Yemanjá com luz, trabalho que mostra uma imagem de Martin Luther King (1929-1968) na altura do ventre de Iemanjá, orixá importante na Bahia, no Rio de Janeiro e São Paulo. No mesmo ano, em decorrência desses experimentos, surge Yemanjá todos iguais e O mundo de Yemanjá, trabalhos fortes que difundem esse orixá como sendo, no limite, capaz de dar uma lição de humanidade; Yemanjá une a diversidade humana em si mesma.

Entre 1978 e 1980 Yêda Maria vai para a Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, fazer seu mestrado, lá, segundo ela, o tema religioso não é aceito, mas ela produz Cabeça de orixá 1978, posteriormente adquirido por aquela universidade. Uma das coisas que vai marcar sua experiência em solos norte-americanos é o fato de seu talento e capacidade não serem postos em questão pelo fato dela ser negra. Ela vai dizer que a diferença entre cá e lá é que a comunidade negra norte americana tem muita garra e coragem. Yêda conhece a luta política por direitos jurídicos nos Estados e a constituição de uma classe média negra orgulhosa de sua condição racial.
De volta ao Brasil, em 1982, novos temas surgem em seus trabalhos, como as relações interétnicas onde explora as potencialidades da monotipia, como em Namorados, de 1983, onde ela parece afirmar que a mestiçagem não só é possível como positiva. Em Jantar para uma convidada especial, produção do mesmo ano, uma pintura a óleo de grandes dimensões apresenta brancos e negros juntos sem qualquer segregação.
Atualmente com 78 anos e morando em uma pacata rua do bairro de Pinheiros, em São Paulo, cidade onde vive a menos de um ano, a artista está envolvida com a produção do tema que mais tem afinidade, a natureza-morta. Sua versão é cheia de vida; arranjos cromáticos de formas precisas. Suas obras tratam de um embelezamento do cotidiano: mesa bem posta, utensílios domésticos de gosto apurado e alimentos fartos. Mesas sempre à espera dos convidados.

Yêda Maria tem trabalhos em coleções privadas no Brasil e no estrangeiro e em instituições de arte, dentre elas o Museu de Arte da Bahia e a Universidade de Illinois.
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YêdamariaEdição: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo/Museu Afro Brasil
Direção de arte: Paulo Otávio Gonçalves
Coordenação editorial: Cecília Scharlach
2006