segunda-feira, 9 de março de 2009

Rabiscando sem crISE


Segunda-feira, dia 2 de março, meu relógio sujo de tinta marcava 15h. Foi exatamente nesta hora que pisei na Galeria 24 de Maio, mais conhecida como a Galeria do Rock, lugar que reúne, na minha modesta opinião, a maior concentração de tribos na cidade. Roqueiros, manos, emos e por aí vai.

Os termômetros de São Paulo estavam batendo na casa dos 30 ºC. A galeria estava com sua movimentação comum. Algumas pessoas dentro das lojas e outras dezenas circulando pelos corredores do prédio.

Logo que cheguei, imediatamente desci a famosa rampa em direção ao subsolo da galeria, local onde concentram-se as lojas de artigos de hip hop, cabeleireiros afro e afins. Meu destino? A Grapixo, primeira loja da cidade destinada exclusivamente a comercializar artigos para grafiteiros e pixadores.

Ao contrário das outras dezenas de vezes que fui à loja, desta vez, minha intenção não era ver as publicações gringas de graffiti e tão pouco comprar latas de spray. Meu objetivo naquela tarde era trocar uma idéia com o ISE, a.k.a do paulistano Cláudio Duarte, dono da loja e um dos grafiteiros com maior role na cidade.

Enquanto caroçava o vendedor da loja e observava algumas camisetas, meu entrevistado chegou. Apesar de atarefado com fornecedores e com o andamento da loja, ele não hesitou em tirar alguns minutos da sua tarde para trocarmos uma idéia.

Óculos de grau, barba por fazer, bermudão e camiseta da Grapixo, Cláudio, como era de se imaginar, mostrou-se um cara com uma visão e, principalmente, opiniões, bem sólidas do que o grafite representa na sua vida.

Modesto, rejeitou o rótulo de o Zé (Lixo Mania) do graffiti paulistano. “Vixi, to bem longe dele. O Zé é ô concour”, disse.

Nascido no berço do grafite brasileiro, o bairro do Cambuci, região que despontou para o cenário nacional com o surgimento do Os Gêmeos, mas também de onde saíram nomes como Nunca, o próprio ISE, e mais recentemente o Finok e o Coyo, ISE encontrou no grafite o motivo para a sua existência, afinal, graças a ele, fez amigos, conheceu amigos e, mesmo que sem querer, despertou sua veia artística e comercial.

Sentado no chão, com uma bic e um papel sulfite na mão, e improvisando uma caixa de tênis como apoio para escrever, troquei uma rápida idéia com o cara cujo nome está estampando em mais de mil lugares da cidade. Isso por que ele só pinta de domingo.

Confira como foi.


NOME
Cláudio Duarte

IDADE
30 anos

A.K.A
ISE

PORQUE ISE
Na verdade quis fazer uma brincadeira com a palavra Easy, que significa fácil em português, mas quis fazer da maneira como as pessoas que não sabem inglês falam.

ROLÊS
Só pinto de domingo

INÍCIO
Comecei em 1992. Sou do bairro do Cambuci, e lá, nos anos 80 e 90, nós tínhamos uma cena de Hip Hop muito forte, principalmente no break e no graffti. Tive uma identificação maior com o graffiti, muito em razão de uma galera do bairro que fazia o role, como o Mancão e Os Gêmeos.

CAMBUCI
O Cambuci é meio que uma fábrica de grafiteiros, de lá saíram, primeiramente, nomes como o Marcão, Os Gêmeos, depois veio a geração seguinte comigo, o Nunca, e agora tem o Finok e o Coyo. O bairro é uma verdadeira galeria a céu aberto.

SEU TRAMPO
Não considero meu trampo um Bomb, já que ele não é tão simples, tem mais cores e envolve um pouco de técnicas de stencil também. Estava conversando com o Finok outro dia e chegamos à conclusão que aqui em São Paulo, nós, grafiteiros, desenvolvemos uma nova forma de pintar, que é difícil de rotular. Prefiro dizer que faço um rolê.

O GRAFITE
Pra mim a essência do graffiti é a rua. Algumas pessoas do movimento, principalmente as mais jovens, primeiro tem o contato com as telas e as galerias para depois, talvez, ir para a rua. Não descrimino essas pessoas, apenas acho que elas tem uma outra leitura do que é o Graffiti. Mas para mim, se saiu da rua já não é mais graffiti. Quando faço algum tipo de trampo particular, tipo uma decoração, costumo dizer que utilizo as técnicas do graffiti, mas que não estou fazendo um graffiti propriamente dito, justamente porque não estou na rua.

PIXAÇÃO
Acho a pixação um movimento muito foda e original.

SÃO PAULO VERSUS OUTRAS CAPITAIS
Graças ao Graffiti tive a oportunidade de conhecer vários países e várias capitais importantes na cena de graffiti, e São Paulo não deixa a desejar para nenhuma delas, na verdade supera muitas.

ISE PIXADOR
Na pixação tenho apenas amigos. Como meu primeiro contato foi com o graffiti, e foi muito forte, nunca tive muito interesse em pixar.

GRAPIXO
Minha intenção com a loja foi proporcionar a galera que pinta ter acesso a produtos de qualidade. Tínhamos muita dificuldade para conseguir determinadas tintas e spray, na verdade ainda temos essa dificuldade. A oferta dessas materiais ainda é muito pequena.

COM OU SEM AUTORIZAÇÃO
Graffiti para mim é pintar com ou sem autorização. Intervir em um espaço na rua com ou sem autorização.

POLÍCIA
Já rodei algumas vezes, mas os anos de rua me fizeram criar defesas contra isso e a me safar com sucesso e não ter maiores problemas. Mesmo por que São Paulo tem problemas maiores que graffiti para polícia cuidar.

MOTIVAÇÃO PARA PINTAR
A rua, as pessoas, meus amigos. Graffiti para mim é como meu sangue, corre em minhas veias. Enquanto eu estiver vivo quero poder fazer esse sangue circular no meu corpo.

REFERÊNCIAS
Tudo que vivo vira referencia no meu trabalho. Se vivo coisas boas pinto coisas boas, se vivo coisas ruins, filtro as que me podem fazer bem e as uso também. Pessoas como referencia tenho vários, mas meus amigos são as maiores.

GRAFITEIROS X PIXADORES
Acho que não se precisa dizer mais nada sobre isso. A mídia fez esse assunto ter fundamento. As pessoas que pintam rua de verdade não ligam pra isso.

QUANTIDADE X QUALIDADE
Claro todos os artistas que pintam graffiti querem ver seu trabalho evoluir. Já me preocupei menos com a estética e mais com a quantidade, mas hoje vivo uma fase diferente, quero fazer muitos e com mais qualidade. Aprendi em uma viagem que fiz ao nordeste que as pessoas merecem ter muito de quem pinta na rua. Por isso, se quer fazer na rua, faça o melhor que puder, pois eles (as pessoas) não merecem ver coisas ruins. Merecem o melhor de cada um de nos que intervimos nos meios públicos.

CRITÉRIOS PARA PINTAR
Hoje faço uma junção de foto e parede. Só pinto onde posso ter uma linda foto.

BOM DO GRAFFITI
amigos verdadeiros

RUIM DO GRAFFITI
Ficar doente por tanto respirar tinta. Já passei por isso umas três vezes. Foi foda.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Valeu! Boa sorte no corre e fica com deus.


+ INFO
http://www.grapixo.blogspot.com/