domingo, 8 de fevereiro de 2009

O Paxá dos 16mm


Conheci o simpático senhor Archimedes Lombardi em meados de 2006, no inicio da minha passagem como repórter pelo Ipiranga News, jornal de bairro da Zona Sul de São Paulo.

Lembro-me que nossos primeiros contatos aconteceram quando ele procurava o jornal para fazer a divulgação das sessões do Cine Clube Ipiranga, projeto encabeçado por ele e que ora era apresentado no SESC Ipiranga, ora na Biblioteca Municipal Roberto Santos, locais onde o velho cinéfilo exibia, gratuitamente, raridades do cinema nacional e internacional em 16mm.

Como na época as exibições aconteciam semanalmente, nossa relação foi se estreitando com o passar do tempo, até nos tornarmos amigos.

Archimedes é um sujeito tranqüilo, bem humorado e capaz ate de perder o amigo, mas não a piada. Como o encontrava com freqüência pelas ruas e eventos do Ipiranga, bairro onde o velho cinéfilo reside há 50 anos, aos poucos fui conhecendo melhor sua trajetória, realizações e a intima relação que ele tem com o cinema.

Assumidamente um amante da sétima arte, Archimedes dedicou, e continua dedicando, grande parte do seu tempo a esta paixão.

Nascido em 1942, na cidade de Santo Anastácio, interior de São Paulo, Archimedes teve o primeiro contato com o cinema ainda na sua terra natal. Na adolescência, chegou a ajudar o pároco local nas exibições de filmes na pequena sala de cinema da cidade.

Despretensiosamente, fundou em 1964 o Cine Clube Ipiranga, que começou com o intuito de reunir amigos. Na época, Archimedes alugava algund filmes e os projetava nas casas dos vizinhos.

Mais tarde, em 1992, junto com o amigo Antônio Leão da Silva Neto, fundou a ABCF (Associação Brasileira de Colecionadores de Filmes em 16mm), entidade que reúne colecionadores de todo o Brasil, com a finalidade de catalogar, preservar e exibir filmes raros em sessões gratuitas. Segundo o velho Archimedes, a ABCF já exibiu mais de 500 filmes raros, alternativos e produções fora de circulação.

Apesar dos inúmeros compromissos com as exibições dos filmes e da Gráfica Romancini, da qual é proprietário, Archimedes pode ser facilmente encontrado na sua casa, local que também serve de escritório e onde ele armazena as dezenas de rolos de filmes em 16mm que coleciona.

O nariz rechonchudo, o cabelo bagunçado, a camisa sempre com os botões abertos e a inseparável sandália de borracha, escondem um sujeito extremamente inteligente e profundo conhecedor de cinema.

Não há como iniciar uma conversa com ele que não dure 20, 30, 40 minutos, isso porque insistimos em dizer que temos compromisso, caso contrário, Archimedes nos envolve em suas histórias e causos por horas.

Como disse, já tinha feito algumas matérias com ele, mas sempre pautado pelo editor do jornal. Dessa vez não, procurei o senhor Archimedes para batermos um papo mais descontraído, exclusivamente para o blog.

Nossa conversa aconteceu na sexta-feira (06), no final da tarde, quando fui visitá-lo.

Quando cheguei, por volta das 18h30, o senhor Archimedes ainda não estava. Mas como a porta do escritório estava entre aberta resolvi esperar. Sentei na mureta em baixo da janela, acendi um Lembranças de Marlboro (L&M) e fiquei fitando a movimentação da rua.

Não demorou muito e ele chegou, estava acompanhado do jovem Vinicius. Sujeito tímido, de estatura mediana, aparentemente com trinta e poucos anos e também apaixonado por raridades em 16mm. Segundo senhor Archimedes, muitos dos seus filmes foram repassados (negociados) com o pupilo, que já conta com mais de 700 copias em seu acervo.

Archimedes me convidou para entrar. Enquanto observava o anfitrião da casa empurrar a sua Olivetti dos anos 60 (maquina de escrever que ele ainda utiliza, principalmente para escrever cartas, bater guias e preencher cheques) para o canto da mesa, fui me acomodando.

Nossa conversa foi rápida (já que tanto ele como eu tínhamos compromissos), porem, bastante proveitosa. Veja os melhores trechos



Cinema
É o ópio que eu fumo, o pó que eu cheiro.

Preferências
Filmes antigos. Gosto muito de documentários e filmes que realmente tenham uma historia, que tenham conteúdo.

Maior sacrifício para conseguir um filme
Fiquei 16 anos esperando para ter o filme francês “Balão Vermelho”, de 1951. O dono do material nunca quis negociá-lo comigo. Mas no ano passado ele morreu, fui ate a casa dele e finamente consegui o filme (rs).

Cinema contemporâneo
Não gosto, ou melhor, o cinema feito hoje em dia não me atrai muito. Gosto de pouquíssimas coisas.

Cinema alternativo
Infelizmente bons filmes do circuito alternativo ficam, quando entram em cartaz, muito pouco tempo em exibição. Acho que faltam mais salas alternativas espalhadas pela cidade. Atualmente esses filmes podem ser vistos em uma ou outra sala patrocinada por bancos, como o Unibanco e o HSBC. É uma pena que seja tão restrito.

Produções contemporâneas de qualidade
Tem muita coisa boa sendo produzida pelo cinema italiano, mexicano e argentino.

Como faz para adquirir os filmes
Costumo garimpar feiras de antiguidades, como a do Bixiga e da Praça Benedito Calixto. Nós (colecionadores e admiradores de filmes em 16mm) temos uma rede de relacionamento de aproximadamente 20 pessoas aqui em São Paulo, mais umas 30 pessoas espalhadas pelo pais, é dessa maneira que conseguimos algumas cópias e informações.

Acervo
Hoje em dia tem só umas 100 copias. Já passei muita coisa pra frente

Projetores
Tenho 12, mas apenas quatro funcionam.

Já participou de algum filme
Por duas vezes tive a oportunidade, mas na tive tempo. Um deles foi o filme A Margem, de 1964. Na época os trabalhos da Gráfica tomavam todo o meu dia.

Tem algum tipo de frustração por não ter feito um filme
Não. Houve um tempo, nos anos 70, que cheguei a fazer uma espécie de cooperativa para produzir um filme. O custo das filmagens era muito caro, por isso era necessário uma sociedade. Éramos em 10 pessoas. Mas ora, um saia, outro entrava, mais dois saiam...ai acabei desistindo.


Ps.
A caminhada deste cara é muito grande. Precisaria de um Blog só pra contar sobre a sua trajetória. Por isso, é muito difícil entrar em detalhes. Mas, segue a baixo algumas dicas para quem quiser saber mais sobre a sua história.

Atualmente o velho Archimedes esta com uma programação de filmes em 16mm (claro) na Biblioteca Municipal Roberto Santos, no Ipiranga. Ele próprio leva o projetor e põe a bagaça pra funcionar. Intitulada “O Novo Velho Oeste”, a mostra apresenta uma seleção caprichada de filmes de Western. As exibições acontecem todos os sábados do mês de fevereiro, a partir das 19h.

A Biblioteca fica na rua Cisplatina, 505.

Trata-se de uma ótima oportunidade para conhecer o senhor Archimedes Lombardi, o Paxá dos filmes em 16mm.


+ INFO

TEL 11 2914 0598

E-MAIL romancinilombardi@terra.com.br