segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

BEM ME QUER, MAL ME QUER: UM PEQUENO CAPÍTULO DA HISTÓRIA DO NEGRO E O RÁDIO EM SP

POR NABOR JR.



BEM ME QUER










“OOOO SAMMMBA PEDE PASSAGEM! Dispara com entusiasmo o simpático e ainda jovem locutor Moisés da Rocha, pontualmente ao meio-dia, no comando dos microfones da Rádio USP. A frase, que mais tarde viria tornar-se tradicional na rádio paulistana, ecoava como um canhão pelas bordas, subúrbios e comunidades negras da cidade.




Não por menos. Mais de 50 anos após a primeira transmissão radiofônica do país - ocorrida em 7 de setembro de 1922 durante as comemorações do centenário da independência - o ainda então principal veículo de massa do país (ao lado da TV) mirava sua programação nas tradições culturais periféricas e afrobrasileiras.

Naquele turbulento ano de 1978, com o Brasil sobre o fardo das intolerâncias do regime militar (1964 – 1985), é que surge na Rádio USP O Samba Pede Passagem. Pela primeira vez de fato, uma emissora em FM (Frequência Modulada) buscava estreitar a relação dos negros e suburbanos com o rádio, mas não somente através da música, seu carro chefe. Informações, entrevistas, notícias e produções das beiras da cidade eram o diferencial do programa, apontado como o pioneiro no rádio brasileiro em FM especificamente dedicado ao samba.

“O Leonardo de Castro é que me levou para a Rádio USP. Ele era locutor da Rádio Bandeirantes e também responsável pela narração desse programa de samba. Mas não demorou muito e ele saiu. Pro lugar dele foi pra lá um ex-parceiro meu da Rádio Jovem Pan, o diretor de criação Mário Fanucchi. Ele me encontrou lá e na época eu era tipo um “bam bam bam” na Jovem Pan como locutor, mas na rádio USP eu havia sido convidado para fazer a programação de samba, e só. Fazia a seleção das músicas e dava para o narrador falar. Aí o Fanucchi me deu uma oportunidade como locutor. Quando eu começo a falar o programa estoura!”, lembra Moisés da Rocha.









Produtor, pesquisador e locutor (oriundo de uma das primeiras, se não a primeira, geração de locutores negros do país), Moisés da Rocha, nascido em Ourinhos, interior de São Paulo, é a voz por trás do programa. “O Samba Pede Passagem surgiu em 1978, já com este nome. Antes era um programa de samba qualquer, que tocava músicas e ponto. Mas quando eu entro aí é que vira o verdadeiro O Samba Pede Passagem. Porque eu começo a falar com a periferia, tocar os sambas da periferia. O programa nunca foi só ouvir por ouvir”, conta Moisés, que iniciou sua carreira de radialista em 1967, na Rádio Cometa, em São Paulo, tendo passado mais tarde pelos microfones das rádios Jovem Pan, Gazeta, Cultura, Carioca, entre outras.

Até então vistos e representados por periódicos próprios ou, no máximo, em escassos, quando não também pejorativos e negativos, “flashes” em emissoras de rádio e TV da época, os negros viam no programa a possibilidade de ressurgimento da imprensa negra paulista (movimento iniciado em 1915, com o surgimento do jornal O Menelick) depois de um longo hiato de 14 anos. O golpe militar de 1964 havia censurado os órgãos de imprensa em todo o país, fechando o jornal o Correio d´Ébano, última tentativa de dar voz ao manifesto negro. Somente em 1978, mesmo ano da criação do O Samba Pede Passagem, com o ressurgimento do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNU), que mais tarde deu origem a veículos de comunicação próprios, é que a imprensa negra paulista retoma suas atividades.








Moisés da Rocha, "tinha rádio que não deixava o artista negro nem entrar"




“O Samba Pede Passagem nunca foi meramente um vitrolão pra tocar música. Tocar música o cara bota em casa! Nós falamos com a periferia. Anteriormente ao samba pede passagem não existia um programa com o qual a comunidade negra se identificasse, muito pelo contrário. Até com a conivência de atores negros sem consciência, o rádio serviu muito até para mostrar a inferioridade do negro diante as demais etnias, com piadas preconceituosas, tipos caricatos”, diz Moisés, referindo-se ao humorista e compositor carioca Dorival Silva (1923 – 1989), conhecido como Chocolate, comediante que ao longo das décadas de 1950 e 1960 teve muito sucesso em emissoras de rádio e televisão do Rio de Janeiro e de São Paulo. Chocolate foi muito criticado pala militância negra do período pelo modo como se comportava, fazendo piadas com os negros.

“Uma coisa é certa. O que essa molecada de hoje não faz na FM, nós fazíamos no AM”, relembra Moisés, fazendo-nos lembrar dos áureos tempos do programa, vivido nos anos 80 e início dos anos 90, quando foi diretamente responsável pelo sucesso do samba e do pagode em São Paulo ao apresentar, em muitos casos pela primeira vez aos ouvintes da capital, nomes como Zeca Pagodinho, Jovelina Pérola Negra, Fundo de Quintal, Oswaldinho da Cuíca, Geraldo Filme, Talismã, Zeca da Casa Verde, Germano Mathias, Eduardo Gudin, grupo Redenção, Dona Inah, grupo Pé de Moleque. “Esse pessoal não tinha espaço na rádio, no máximo a coluna do Plínio Marcos no jornal. Com o samba Pede passagem os nêgo veio também começam a aparecer”.

O Samba Pede Passagem alcançou tamanha influência e prestígio entre seus ouvintes, que Moisés da Rocha acabou sendo convidado para ser programador na Rádio Carioca, onde fez as seleções do primeiro programa exclusivamente de samba de uma rádio no Rio de Janeiro.

“A história da veiculação do samba nas emissoras de rádio paulista, não pode ser contada sem o pioneirismo do Samba Pede Passagem e nem do radialista Moisés da Rocha. Todos os principais sambistas dos Brasil devem muito ao programa. Sua ajuda em divulgar os projetos, os artistas, as músicas. Gostaria que eles se lembrassem disto”.

Símbolo da resistência cultural afrobrasileira, O Samba Pede Passagem pode ser conferido aos sábados e domingos, nas rádios USP e Capital.






MAL ME QUER

Se nos dias atuais, apesar das mudanças e transformações dos meios, já é possível observar algumas dezenas de programas e projetos de rádio dedicados a cultura afrobrasileira e suburbana, bem como radialistas e locutores negros (em sua maioria concentrados na mídia digital), no início da radiodifusão no Brasil o cenário era outro.

É o que revela o pioneiro estudo Cor, Profissão e Mobilidade: O Negro e o Rádio de São Paulo, publicado em 1977, pelo antropólogo e professor emérito da Universidade de São Paulo, João Baptista Borges Pereira (1929). A pesquisa, realizada entre os anos de 1959 e 1964, apresenta a inserção profissional do negro no mundo empresarial do rádio em São Paulo nos primeiros 40 anos de sua existência.

Segundo Borges foi, indiretamente, apenas após a chegada da publicidade no rádio, em 1932, depois de um decreto estabelecido durante o governo Getúlio Vargas, que o negro passa a ter espaço no rádio. “Num primeiro momento, os criadores do rádio no Brasil, Roquette Pinto e um outro francês, o idealizaram com a expectativa de que ele modernizasse o país através da educação. O rádio seria o mestre dos que não sabiam ler. Esse modelo de rádio, contudo, se mostrou erudito. Depois veio a publicidade que tomou conta do rádio, somente aí o rádio se abriu para o público em geral e incorporou definitivamente a música popular”, diz.

Com a mudança, a música negra começa a ter vez nas rádios brasileiras. A música feita pelos negros que até então era vista, e também praticada, apenas como lazer ao redor das casas de mãe de santo, como a Tia Ciata, em manifestações que eram uma espécie de sociabilidade banhada com música, acaba sendo incorporada aos novos tempos. Especialmente por coincidir com a época do modernismo brasileiro, de exaltação da tradição negra como elemento de autenticidade nacional. E isso passa pela música também, transferindo o movimento, mesmo que timidamente, para o rádio.

Por outro lado, o negro como profissional, continuou sendo excluído das cadeiras da estrutura empresarial do rádio. “No meu trabalho isso está muito claro (a não presença do negro no corpo de funcionários da rádio) o negro nunca está na cúpula. Cortando de cabo a rabo o rádio, de maneira verticalizada, tem o setor administrativo, o setor artístico, onde está o setor musical. O negro estava dentro do rádio segregado dentro do musical só. Ele não tinha nenhuma credibilidade fora daí”, conta Borges.

De acordo com Baptista, o rádio era, e continua sendo, um reflexo da sociedade brasileira: “Digamos que o rádio era excepcional a medida que incorporava o negro dentro de um lócus de trabalho . Mas ao mesmo tempo, esse lócus, que aparentemente era favorável ao negro, não era tão favorável assim. Em linhas gerais ele refletia como estava a sociedade. Assim como acontece hoje”.






ENTREVISTA







OMENELICK2ATO - O que o rádio representa para você?
FÁBIO ROGÉRIO -
Pra mim representa muito, pois amo o que faço e procuro fazer tudo com muito empenho. Venho de família simples. Meu pai mal assina o nome, mas me ensinou a respeitar o próximo.

No rádio procuro não ser como as carpideiras (mulheres pagas pra chorar), quando entro no ar me sinto num clube onde tenho que ter técnica e técnicos. Minha linha de pensamento é “quem fala planta e quem ouve colhe”. Por isso, hoje minha responsa é enorme, não posso decepcionar ninguém, inclusive vocês da revista por serem pessoas que fazem parte da minha atmosfera.
Atualmente desde o tiozinho do carrinho de sorvete até o mais nobre executivo me tem como uma referência do bem e não do mal. Dou glória a Deus por isso.

Acredito que meu trabalho tem sustentabilidade (não apenas “não mate uma plantinha”), mas sim sustentabilidade social, que ajuda a esclarecer o próximo.


OM2ATO - Desde o início dos anos 90 (ainda no tempo das emissoras Alternativa e Nova Era) você vem se dedicando a implantar nas rádios de São Paulo uma programação musical que dialogue com o público negro e das periferias da cidade. Nesses 20 anos de caminhada, como você avalia a atuação das principais rádios de SP no que diz respeito a inserção dos negros e dos mais pobres na programação?
FR -
Desde minha adolescência coleciono vinis não só de Rap, mas de outros gêneros ligados a música negra . Venho de uma época de repressão as rádios comunitárias, lutei muito pra hoje ver o Congresso regulamentar as mesmas. Fui Preso pela Policia Federal e já tive problemas com o fato de querer me comunicar. Mas problemas servem para crescermos na vida.

Quanto a sua pergunta, vejo que grandes rádios até contemplam os ouvintes com Black Music. Atualmente de 87.5 a 107.9 eu ouço Seu Jorge, Marvin Gaye, Areta Franklin, Exaltasamba, Barry White, etc e etc. O que falta são mais programas específicos no dial, mas pra isso temos que, ou captar patrocinadores ou acreditar mais em nossos planos para assim incluirmos mais musica negra nas rádios que se simpatizam timidamente pela gente.

O que temos que entender é que na vida pra mostrar algo que a gente gosta e acredita não podemos chegar tarde, por isso não deixe de mostrar e provar a alguém que nosso som é espetacular.


OM2ATO - Você sabe me dizer o perfil do público da 105 FM?
FR -
O perfil do público da 105 é dinâmico e popular, o slogan da rádio é “105 é só alegria”. Na minha opinião, a audiência se deve a relacionamentos e vínculos que criam esse sentido de que o Rádio é fundamental na vidas pessoas.
A 105 hoje é interessante de se ouvir porque muitas pessoas entendem que quem escreve a história da rádio são elas. Pra emissora ouvinte é importante, pois eles hoje são a matéria prima do nosso amanhã. Sem eles nosso trabalho não agrega valor.


OM2ATO - Você tem conhecimento de outras rádios (analógicas) que possuem uma programação ou, pelo menos, alguns programas voltados ao público negro? Quais?
FR –
Ah, sei que existem irmãos e irmãs na luta pela causa espalhados pelo Brasil. Fico Feliz e peço que eles continuem perseverando e contem comigo no que for de meu alcance. Barack Obama foi eleito com ajuda da internet e isso hoje é uma realidade. A internet é a maior aventura tecnológica do mundo, por isso vamos nos aproximar e compartilhar pois o que pega agora é isso: compartilhar.


OM2ATO - O rádio surgiu no Brasil como uma proposta educacional. Posteriormente, a realidade de seus altos custos obrigaram que se recorresse à publicidade como fonte de receita. A 105 FM, como uma rádio comercial, também tem esta preocupação, porém, ao mesmo tempo, consegue veicular uma programação que podemos chamar de alternativa (o rap e o reggae são exemplos disso). Como equilibrar conceito e interesses comerciais?
FR - Ainda é assim senão não existiriam as rádios educativas espalhadas pelo país. Mas referente a publicidade “a lei da economia não tolera e nem aceita o ato de receber sem dar”. Produtos tem verba de mídia e cabe aos publicitários e homens de marketing entenderem que anunciar em rádio é uma grande sacada.

Mas as rádios comerciais também tem uma função educacional, quando ouço frases de rap tipo “Condições de ocupar um cargo bom e tal talvez em uma multinacional“, do Racionais Mcs ou “Nos que Mulher sim, quer um dim também, quer ver tudo os neguinho lá vivendo bem só ae a luta vai alem quem pensa pequenininho tio vai morrer sem “ do Emicida, pra mim é altamente educacional.

Pra mim o rap é uma cultura internacional e se é underground ou não o que vale é a sinceridade.
O Reggae também já não é tão underground. Ultimamente o Rohan Marley esta mais na revista Caras com a modelo Brasileira Isabeli do que qualquer filho de bom papai.
Cantor de rap tem que ter historia, se não não é cantor de Rap, é exibicionista. Negros e pessoas de baixa renda consomem rádio sim, agora cabe aos inventores mostrarem a nós que podemos consumir tal produto, mas pra isso precisamos mais de geração de oportunidades de que geração de emprego para enfim falarmos na tão sonhada geração de receita.


OM2ATO - Como explicar o fenômeno do programa espaço rap, líder de audiência na capital e Grande São Paulo?
FR -
NegritoEquilíbrio é fundamental para qualquer ideal ser próspero. Sei que em algumas situações podemos até ser incompreendidos, mas desde 1997 existe o programa Espaço Rap. O projeto começou com meia hora e o Nuno Mendes foi o primeiro apresentador.
A pergunta foi sobre como explicar um fenômeno? É difícil explicar o porquê de tanto prestígio.
Talvez o programa tenha essa longevidade devido a equipe não ser imediatista e saber conviver com os barulhos e os silêncios do Hip Hop.


OM2ATO - Porque a 105 FM está entre as rádios mais ouvidas do Estado de São Paulo?
FR -
O que define a 105 é o foco, a boa administração e não como nos intitulam. Na vida temos que saber nos posicionar e em alguns momentos sermos moderados.
Quando pensamos em tradição as vezes não podemos ser muito tradicionais pois com isso não nos abrimos pro novo . Outro dia, como Dj, fui tocar em uma casa e um cara me disse: “ué, você não é dj de black? não vai tocar de boné?”. Eu disse: “nossa quem vai tocar sou eu ou o boné?rs”, e começamos a rir. A música negra é universal, agora basta aos humanos serem generosos com ela pois só assim ela prosperará. Nosso som é som de águia, som de quem viaja e pensa alto. E quem é águia não caça moscas.


OM2ATO - Como você avalia a força do rádio (ou seja, o que ele representa, ou pode representar na vida das pessoas) como meio de comunicação, especialmente nas comunidades negras e mais pobres (público com o qual você fala)?
FR -
Avalio que temos que sempre fazer um bom trabalho, pois, uma vez a audiência perdida não se recupera mais. O rádio é fundamental na vida das pessoas que não querem ficar alienados a programetes de TV vazios e sem ética.


OM2ATO - A partir da década de 20 surge no meio musical brasileiro uma procura das raízes nacionais em contraposição aos valores europeus. Nesse contexto, a música negra obtém aceitação e destaque. A expansão do rádio colaborou para a difusão da música urbana, permitindo maior destaque para música de origem negra divulgada através do rádio. Dito isso, como você avalia a importância do rádio para a disseminação da música negra no Brasil?
FR -
Na real, como diz Jorge Bem: "O negro é lindo". E além disso tem veia artística desde gênesis. Antes dos anos 20 não podemos esquecer do primeiro samba tocado " Pelo telefone "que ate hoje é referência .


Fábio Rogério é Dj, locutor e apresentador dos programas Espaço Rap, Festa da 105, Fala meu dj 105 e reporter do programa balanço Rap com Ice Blue e Dj Kl jay ( Racionais mcs) e Dj Will.








+ PARA OUVIR

O SAMBA PEDE PASSAGEM
Rádio USP FM 93,7 MHz
Sábados e domingos das 12h às 14h
Rádio Capital AM 1040 MHz
Sábado, das 23h às 6h da manhã de domingo

EDIÇÕES TORÓ: NAS RUAS DA LITERATURA
edicoestoro.net

RÁDIO HELIÓPOLIS 87,5 FM
heliopolisfm.com.br

NAS ONDAS DO RAP
nasondasdorap.blogspot.com


+ PARA LER

Cor, profissão e mobilidade: O negro e o rádio
João Baptista Borges Pereira
Editora: EDUSP
2001 (segunda edição)