quinta-feira, 7 de julho de 2011

THIS MOTHER FUCKING LIFE

Por Nabor Jr.


Criado nos anos 70 pelo músico e pan-africanista nigeriano Fela Anikulapo Ransome Kuti (1938-1997), o Afrobeat (miscelânea de riffs do Jazz, do Funk, do Highlife, do Rock Psicodélico, aliado a música yorubá e aos batuques da percussão africana) fez do artista o maior músico africano do século XX. Com todo respeito aos trabalhos prestados por nomes como Miriam Makeba, Youssou N´Dour e Cesária Évora.

Aparentemente despretensioso, o dançante ritmo que o extravagante músico concebeu era, ao mesmo tempo, capaz de ser puro entretenimento e energia, induzindo o público a um total estado de transe, como também visceralmente político, incentivando-o a refletir. Canções como: Coffin for Head of State (Caixão para um Chefe de Estado), Colonial Mentality (Mentalidade Colonial) e Teacher, Don´t Teach Me No Nonsense (Professor, não me ensine absurdos, provam essa característica.

A vulcânica mistura concebida por Fela, entre o até então novo e vigoroso instrumental e as composições políticas, renderam-lhe fama, popularidade e algum dinheiro. Mas trouxeram também seguidos anos de constantes confrontos com regimes corruptos e repressivos da Nigéria, além de espancamentos, torturas e prisões. A conjunção desses fatores, aliada ao estilo de vida excêntrico do artista, transformaram Fela em um mito.







É justamente na transposição do mítico para o real que a biografia autorizada Fela: Esta Vida Puta, do etnólogo e crítico social cubano Carlos Moore, lançado em junho no Brasil, torna-se fundamental para aqueles que desejam não apenas conhecer o homem por trás do artista, como também o conturbado momento político que assolou a África entre os anos de 1960 e o fim dos anos 80 (período que marcou a independência de mais de 30 países do continente).

Narrado em primeira pessoa, o livro é resultado de mais de 15 horas de entrevistas e conversas entre o autor e o músico, tanto na misteriosa República Kalakuta - comunidade alternativa criada por ele em Lagos, onde vivia com seus amigos, músicos e esposas - como em Paris, onde os dois se encontraram durante uma excursão de Fela, em 1981. A publicação mostra Fela, por ele mesmo revelando por trás do artista de retórica contundente um ativista político corajoso, pan-africanista militante, um grande pensador, espiritualista ferrenho, de modos excêntricos e atitudes muitas vezes ingênuas.



A narrativa informal, solta e reveladora, que a cada capítulo se mostra mais instigante, nos apresentando as fragilidades e pensamentos do ser humano Fela Kuti. Os capítulos Ofa Ojo I e II e as entrevistas com 15, das 27 mulheres com quem o músico se casou de uma só vez, são o ponto alto do livro, que peca pelas poucas e boas imagens do músico e da famosa República Kalakuta. Nada porém que afete o produto final ou as intenções da obra que, muito mais do que apresentar o homem Fela Kuti, claramente objetiva eternizar a mensagem política de uma África livre deixada pelo nigeriano.

Fela: Esta Vida Puta é o mais contundente e rico material acerca da vida do homem Fela Kuti e por isso, imprescindível para a compreensão das questões do Mundo Negro e do pensamento do militante social e pan-africanista que revolucionou a música africana e influenciou milhares de pessoas ao seu redor.





CURIOSIDADES

+ Fela: Esta Vida Puta foi originalmente publicado na França, em 1982, com o título Fela, Fela: Cette Putain de Vie, e na Grã-Bretanha, nesse mesmo ano, como Fela, Fela: This Bitch of a Life. Foi a primeira biografia de um artista africano.

+ Suas composições extremamente politizadas, ideológicas e indigestas às classes dominantes, eram suas armas na luta contra a arquitetura do medo dentro da qual os diversos sistemas repressores confinaram, entre muros, as sociedades africanas, desde o período do tráfico de escravos e da colonização até os tempos modernos, dos regimes despóticos pós-independência.

+ Carlos Moore foi amigo de Felá. O conheceu em 1974, quando foi convidado para organizar um festival de música que teria Stevie Wonder como atração.

+ OFA OJO
Monólogo da escritora Shawna Davis, especialmente produzido para as edições originais do livro. Trata-se de um texto dramático que apresenta o diálogo de uma “Mãe-Espírito” (no caso a mãe de Fela, Funmilayo Ransome-Kuti) e seu filho.

+ O texto, mesmo não tendo sido publicado em inglês – o autor o excluiu da primeira edição lançada nos Estados Unidos, em 2009, por achar que a história confundiria o público norte-americano - tornou-se motivo central do musical da Broadway, FELA! (2010), produzido pelos astros Jay Z e Will Smith - e um processo entre as partes.




+ CARLOS MOORE
Há 10 anos radicado em Salvador, nasceu e cresceu em Cuba. Doutor em Ciências Humanas e Doutor em Etnologia da Universidade de Paris-7, na França. Atualmente é Chefe de Pesquisa (Sênior Research Fellow) na Escola para Estudos de Pós Graduação e Pesquisa da University of the West Indies (UWI), Kingston, Jamaica.

+Fela Kuti morreu devido a complicações da AIDS, em 1997

+ Ao longo de sua carreira o músico lançou 77 álbuns e escreveu 133 canções

+ “A postura desinibida e casual de Fela a respeito das relações sexuais e sua afeição natural à nudez, somadas à visão negativa criada pelo uso contumaz de maconha, sem dúvida, cutucaram os preconceitos vitorianos das conservadoras elites africanas pós-independência”, Carlos Moore

+ Fela Kuti criou a República de Kalakuta, em Lagos, na Nigéria, em 1974, com a idéia de o lugar ser um espaço aberto para abrigar todos africanos que estivessem sendo perseguidos.

+ Até hoje as influências do Afrobeat são vistas por aí, desde os norte-americanos Randy Weston e Brandford Marsalis, nos anos 90, até o MC brasileiro Criolo Doido, nos anos 2000, cuja música Bogotá, do aclamado álbum Nó na Orelha (2011), começa com um contagiante afrobeat.

+ THIS MOTHER FUCKING LIFE foi o nome que Fela sugeriu para o livro. De acordo com Moore, foi a única discórdia entre os dois na concepção da obra.

+ Sandra Isadore, cantora norte-americana a quem Fela conheceu em sua primeira viagem aos Estados Unidos, em 1969, e que segundo ele foi, ao lado da sua mãe, a pessoa que mais o influenciou na vida, concede uma das mais reveladoras e interessantes entrevistas do livro.







+
PARA LER

FELA: ESTA VIDA PUTA
Autor: Carlos Moore
Editora: Nandyala
Belo Horizonte, 2011

O PAN-AFRICANISMO
Autor: Philipe Decranene
Tradução: Octavio Mendes Cajado
Editora: Difusão Européia do Livro
São Paulo, 1962.

O BRASIL NA MIRA DO PAN-AFRICANISMO
Autor: Abdias Nascimento
Editora: EDUFBA
Salvador, 2002


ÁLBUNS INDISPENSÁVEIS
Roforofo Fight (1972)
Expensive Shit (1975)
Zombie (1976)

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