segunda-feira, 2 de maio de 2011

COLETIVOS DE ARTES CÊNICAS

Por Renata Felinto
FOTOS INSTITUTO POMBAS URBANAS, CASSIMANO E ARQUIVO ABDIAS DO NASCIMENTO


Alternativas para as afrobrasilidades em cena
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Não é de hoje que atores e atrizes negros estudam, pesquisam, encenam, agem e realizam ações coletivas com o intuito de terem a visibilidade de mídias, espaços e públicos que lhes são merecidos, tudo no plural mesmo. Já dizia Milton Nascimento nos versos de sua canção Nos bailes da vida: “todo artista tem de ir onde o povo está!”. Os atores e atrizes desejam ir e o público também deseja vê-los, entretanto, não é de hoje, que múltiplas variáveis inviabilizam a efetivação desta visibilidade.
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Em meados de 1944, temos o surgimento do lendário, pioneiro e fundamental TEN (Teatro Experimental do Negro), idealizado e dirigido pelo ator e intelectual Abdias do Nascimento (1914). O TEN surgiu como um coletivo de artes cênicas constituído por atores negros selecionados entre operários, empregadas domésticas, pessoas sem teto, sem posição de prestígio social ou profissional. Além de refletir e investir em espetáculos que tivessem atores negros como protagonistas e que tratasse desta realidade em cena, o TEN também erguia a bandeira de uma conscientização sobre a situação da população negra dentro e fora dos palcos. Os seis meses de ensaios com o grupo de trabalhadores/atores renderam-lhes elogios e boa aceitação do público em suas primeiras apresentações no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Isto demonstrou que existia sim, no Brasil, uma parcela da população interessada em discutir questões étnicas e raciais.
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Onde estar em cena?
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Quais seriam hoje as alternativas de trabalho para o grande número de atrizes e atores negros exercerem papéis que lhes tragam visibilidade positiva? Onde os negros da dramaturgia exercem seus papéis? Uma resposta verificável são os herdeiros expressivos do TEN, os novos coletivos de teatro capazes de recrutar muitos destes atores. Eles são o espaço privilegiado da diversidade da própria negritude nacional, que não cabe nos limites da teledramaturgia. Nestes coletivos os atores negros se encontram em um ambiente no qual não necessitam provar a cada encontro, ensaio, montagem que são tão competentes quanto seus colegas não negros. Nestes espaços exercita-se a liberdade advinda da experimentação dramática, desenvolve-se pesquisas expressivas assentadas em valores positivos capazes de apresentar as várias negritudes que vão além de estereótipos.
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Dentre estes coletivos, podemos citar como precursor pós TEN o Bando de Teatro Olodum, de onde emergiram talentos como Lázaro Ramos e Maria Gal. Surgido em Salvador, em 1990, a partir do Bloco afro-carnavalesco Olodum, o grupo tem como uma de suas preocupações centrais trazer atores afrodescendentes aos palcos a partir da apresentação de peças que foquem em assuntos relacionados à população negra. Nos textos do Bando invariavelmente figuram temas da história racial do país e de seus habitantes, a ancestralidade, a questão da identidade negra e a vida urbana com suas desigualdades facilmente visíveis nos tempos atuais. Dentre suas montagens mais relevantes destaca-se o polêmico Cabaré da Rrrrraça!, já exibido em São Paulo.
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Coletivos paulistanos : Criando o próprio palco
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Há muitos estudiosos pesquisando a constituição ou não de uma poética teatral a que poderíamos chamar de negra e quais seriam os elementos que a caracterizariam. Em seu livro A Cena em Sombras, de 1995, a pesquisadora Leda Maria Martins aponta o espaço do teatro “como o lugar privilegiado para o exercício das práticas de autoafirmação e sobrevivência”. Levanta também alguns pontos para reflexão acerca desta produção e dos objetivos destes grupos ou coletivos: “do que se fala quando se fala negro? Da cor do dramaturgo ou do ator? Do tema? Da cultura? Da raça?”. Destaca ainda três elementos constantes identificados nas produções destes grupos ou coletivos: a lembrança da cultura africana, a história da escravidão e do racismo e a desconstrução de imagens perversas do negro.
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Neste contexto, focando os coletivos ou grupos da Grande São Paulo, podemos destacar a produção de três deles: Grupo Clariô (Taboão da Serra), As Capulanas – Cia de Arte Negra e Os Crespos.
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O Grupo Clariô se atêm mais às questões sociais do que étnicas, sendo parte considerável de seu elenco composto por mulheres negras e mestiças. Sua última montagem, Hospital da Gente, apresentada pela primeira vez em fevereiro de 2008 e baseada em texto do escritor Marcelino Freire foi o espetáculo mais premiado do Estado no 1º Prêmio da Cooperativa Paulista de Teatro. Na peça, cujo cenário remonta uma favela, o grupo envolve e conduz a platéia por espaços exíguos tais quais encontramos nas comunidades, com direito a convite para um café feito por uma das personagens. Naruna Costa, atriz e integrante do grupo, diz que “coletivos como o Grupo Clariô dão conta de compreender a marginalização do negro, a partir da experiência de seus próprios integrantes em relação direta com seu entorno, que é periférico. Isso é muito importante, pois cria-se um lugar de pesquisa enraizada nesse contexto, o que dá significância às produções e, logo, à atuação desses artistas em outros segmentos”.
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A Cia. Capulanas de Arte Negra formada somente por atores negros tem como diferencial a formação das mulheres do grupo, todas oriundas do curso de Artes do Corpo da PUC-SP. Esse fato revela a escolha de seus integrantes por uma montagem que privilegia mais os aspectos múltiplos do corpo (fala, música, dança) do que o texto falado. A produção poética do poeta Solano Trindade é o eixo principal que conduz a montagem da peça Solano Trindade e suas negras poesias, com a qual a companhia tem se apresentado por meio do projeto “Pé no Quintal”, em quintais de bairros afastados da capital de São Paulo. Em suas produções As Capulanas destacam as inquietações relacionadas às questões de ordem social e política que afetam a identidade da mulher negra.
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Já Os Crespos é um coletivo teatral que privilegia a pesquisa cênica e audiovisual, além de debates e intervenções públicas. È composto por
atores negros, formados pela EAD (Escola de Artes Dramáticas da USP), e que possuem em comum “a vontade de discutir a sua formação, tendo como foco o estudo da história do negro nas artes cênicas em uma instituição em que esta discussão não existia”.
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O grupo iniciou suas atividades em 13 de maio de 2005, Dia Nacional de Luta Contra o Racismo. Sua mais recente montagem Além do Ponto, apresentada nos meses de fevereiro e março, no Teatro Ágora, em São Paulo, abordou as relações afetivas entre homens e mulheres negras considerando certa “incapacidade” de amar da população negra, em decorrência da falta de afetividade e de possibilidade de continuidade de laços afetivos vividos no período da escravidão. É como se esta população estivesse fadada ao fracasso no amor, à falta de diálogo e aos desencontros.
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Os coletivos apresentam-se assim, como dos poucos espaços para que os atores e atrizes negros falem, expressem, representem os assuntos que lhes tocam considerando as suas experiências sociais. Que outros tenham a felicidade de entrar em cena!
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COLETIVOS
Bando de Teatro Olodum
bandodeteatro.blogspot.com

Capulanas: Cia de Arte Negra
ciacapulanas.blogspot.com

Grupo Clariô de Teatro
espacoclario.blogspot.com

Os Crespos: Coletivo Teatral
oscrespos.com.br


LEIA
Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do Negro e do Bando de Teatro Olodum
Categoria: Tese
Autora: Evani Tavares Lima
Disponível em: http://cutter.unicamp.br


CURIOSIDADE
No início da década de 1940, em viagem ao Peru, Abdias do Nascimento assiste a peça O Imperador Jones, do norte-americano Eugene O’Neill, onde o personagem central da montagem é interpretado por um ator branco tingido de negro. O espetáculo foi uma das principais influências do dramaturgo ao fundar o Teatro Experimental do Negro.